quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De Caxias para o mundo - por Rodrigo Coutinho

RIO DE JANEIRO (O REPÓRTER) - Nascido em Duque de Caxias, cineasta, rapper e estudante de jornalismo, Cacau Amaral de 36 anos dirigiu, juntamente com Rodrigo Felha, o curta Arroz com Feijão, um dos episódios do aclamado 5x Favela. Em entrevista exclusiva a O Repórter, ele conta detalhes de sua carreira e opina sobre o cenário cinematográfico brasileiro.

Início no cinema
Eu tinha um grupo de rap, o Baixada Brothers, e estávamos na correria para gravar um vídeoclip. Acabamos percebendo que seria melhor se nós produzíssemos o clipe. Aí entrei no curso de audiovisual da CUFA e me interessei, de lá pra cá já são dez anos.

Origens
Fui criado no bairro Centenário em Duque de Caxias, meu pai era gráfico, minha mãe costureira. No meu bairro, o cara terminar o ginásio já pode se considerar formado. Por conta disso, demorei bastante pra estudar, só agora estou fazendo faculdade. A convivência na rua foi a maior escola pra mim, é de lá que vem a cultura que tenho hoje. Isso me ajuda nos filmes.

5xFavela
Cacá Diegues foi meu professor de cinema e o convite partiu de um telefonema dele. Eu estava indo para Paraty passar o Carnaval e ele me perguntou se aceitava dirigir o próximo projeto dele. Claro que topei! A partir daí comecei a pesquisar sobre o tema, agente já tinha o roteiro do Arroz com Feijão pronto e a coisa engrenou.

Divulgação da Mídia Especializada
A mídia divulga o seu trabalho a partir do momento em que você paga por ela ou começa a fazer muito barulho. O 5x Favela, por ter uma parceria com grandes distribuidoras, foi mais difícil divulgar.

Cinema Brasileiro
O cinema brasileiro não é uma entidade a quem você possa designar uma responsabilidade. Ele é um conjunto de muitas pessoas: eu, você, o público. O buraco é mais embaixo pra quem controla o cinema, tudo parte do perfil do público, se o público exige uma certa cinematografia, o cinema vai caminhar para aquele lado. Se acontece o contrário, o mercado é quem vai domar aquilo ali. É uma equação muito complexa, o cinema não é uma pessoa malvada, ele é o resultado de nós, brasileiros.

Mentalidade do Povo Brasileiro
Não só o cinema, mas a política de uma maneira geral, está caminhando para uma coisa mais democrática. As eleições são o exemplo disso, a mídia centralizada não consegue mudar tanto a opinião das pessoas quanto em tempos atrás. Hoje temos a internet que é um espaço de interação incrível, não é uma comunicação unilateral. É mais fácil a população participar da política do país do que antigamente e, o cinema, não é diferente disso.

Cinema Brasileiro sob a ótica estrangeira
Nas duas viagens que fiz pra fora do Brasil, a impressão que tive foi bem parecida: o estrangeiro só conhece Cidade de Deus. Na França ainda ouvi falar um pouco de Tropa de Elite. Em Chicago, é só Cidade de Deus e Lula, talvez pelo fato de a cidade ter concorrido à sede das Olimpíadas de 2016 com o Rio de Janeiro. Percebi um público de braços abertos com 5x Favela, as pessoas ficavam com os olhos marejados, falando que aquele cinema era um cinema diferente, como se no Brasil não houvesse filmes desse tipo. O mercado acaba selecionando demais, isso faz com que tenhamos poucos representantes do Brasil no exterior.

Realidade Brasileira
É um cotidiano que nós gostamos de mostrar. Antes de fazer 5x Favela, eu estava insatisfeito com os filmes que estava assistindo. Era uma realidade muito rasa, não quero dizer que é mais ou menos verdadeiro. Nós optamos por mostrar coisas que ainda não haviam sido mostradas, tanto pelo teor de ineditismo, quanto para nos sentirmos mais representados. 5x Favela é um filme de ficção, mas baseado numa realidade que vivemos a vida inteira e tínhamos muita sede de mostrar.

A Busca pelo patrocínio
O empresário não quer nem ver a sua cara, quase todos os meus projetos são independentes e mesmo com o Cacá Diegues captando recursos para o 5X Favela, quando ele falava que o filme seria dirigido por cinco novos diretores a tendência era o patrocinador não investir. Das empresas que se negaram a patrocinar, no mínimo uma delas está arrependida.

Novos Projetos
Meu sonho é conseguir viver só de cinema, o mercado está complicado. A maioria dos meus amigos tem que ter outras atividades para poder se sustentar. O filme que eu gostaria de fazer é sempre o próximo, o maior inferno pra mim seria ficar satisfeito com esse filme. A minha carreira no cinema só vai acabar quando eu morrer, tenho alguns projetos parados, mas agora estou pegando todos eles, vendo o que está mais compatível com o mercado e resolvendo o que apresentar aos patrocinadores, acho que agora vai ser mais fácil bater na porta deles.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Diário de 5xFavela em Chicago - 5º dia

Hoje foi a última projeção de 5x favela em Chicago. Após cinco dias pensando no Brasil, confesso que estou ficando com saudades desta cidade. Conhecemos pouquíssimo dela, pois é muito grande e complexa; assim como nosso rio de Janeiro. A quantidade de arranha-céus do centro da cidade faz parecer que não existe pobreza, mas não podemos nos iludir.

O público hoje foi bem mais entusiasmado. O bate papo parecia mais íntimo. Pela terceira vez perguntaram sobre as olimpíadas e muito, mas muito, sobre o elenco. Teve um cara que chegou a citar o nome de Cintia Rosa. Falamos sobre a nossa vontade de misturar atrizes e atores do cinema, TV e teatro, criando um ambiente onde juntamos Hugo Carvana, que já fez mais de 90 filmes; com Pablo Vinicius, que fez apenas uma peça de teatro.

Caroline, a intérprete que ficou com a gente hoje, riu de nossa cara quando soube que não conhecemos os pontos turísticos da cidade. Expliquei que essa não era nossa meta, que queríamos um roteiro mais underground e prontamente nos indicou alguns bares de blus e jazz. “Ninguém pode vir à Chicago e não ouvir blus”. Como estamos bem no meio da semana o que conseguimos foi jazz misturado com música cubana… Maneiro. Já é uma prévia para o que veremos no festival de Havana, em dezembro.

No caminho para o hotel tivemos a ideia de filmar um curta, onde cada um de nós – eu, Bernardo, Cadu e Felha – seria um personagem longe do Brasil com uma trilha sonora blus/jazz/rap/Chicago.

Amanhã, partiremos de volta ao Brasil. Deixamos, no heminsfério norte, bastante amigos e fãs. Mas sobretudo um espaço interessante para difundirmos nosso cinema hoje e sempre. Mais um degrau nessa subida que o 5x favela dá. E sobre nosso blus/jazz/rap: se Chicago não lançar Cuba lança.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Diário de 5xFavela em Chicago - 4º dia

Chegamos ao local da projeção e apresentamos o filme para uma plateia lotada, idêntica a de ontem. Assim que começou a projeção, deixamos o público assistindo o filme e partimos para o coquetel que foi oferecido em nossa homenagem.

Além de João Amino, Cônsul brasileiro em Chicago, encontramos Mila Burns; diretora, produtora e apresentadora do programa Planeta Brasil; e Francisco Quinteiro, que também produs e apresenta com ela. Não conhecia o programa, que aborda a vida de brasileiros que moram fora do Brasil. Gostei muito da ideia, principalmente após ouvir as histórias da dupla, que mora num caminhão e produzem o programa sozinhos. eles se demonstraram muito emocionados com o sucesso de nosso filme.

Todos os dias que estivemos aqui, alguém fez uma colocação sobre a realização da copa e olimpíadas no Brasil. Hoje chegaram a perguntar, no debate, se a gente fez o filme para melhorar a imagem do Brasil no exterior. É lógico que fizemos.

Todo cinema para mim é como uma grande aula, melhor que qualquer escola. Conheci vários heróis brasileiros, que não estão nos livros de história, através do cinema. Vi coisas que não vivi, como a ditadura por exemplo. Sem o cinema não teria acesso a todas essas mudanças que acontecem no Brasil. Se as olimpíadas representarem algum tipo de mudança relevante pro país, acho muito justo que o cinema retrate essa mudança para as próximas gerações. Diferente das histórias que são contadas unilateralmetne, o cinema tem diversos pontos de vista. Isso permite uma construção inimaginável sobre as coisas.

Assim é o roteiro de 5x favela. Todos os debates levaram pra esse lado também, da pluralidade dos roteios. O público do festival disse que está cansado de assistir sempre o mesmo formato de roteiro e que conseguimos romper essa amarra, fazendo um roteiro bem fora do tradicional.

Talvez isso tenho sido possível, com a visão que Cacá Diegues teve em relação a movimentação que acontecia nas favelas cariocas na última década. 5x favela, agora por nós mesmos é nada menos que um amplificador, que fez ecoar várias vozes que estavam caladas nas periferias. Só na Cidade de Deus, onde construímos o roteiro de Arroz com feijão, foram cinquenta e poucos jovens criando um conteúdo que toca brasileiros no mundo todo.

Outro traço a ressaltar é que na movimentação das sessões vejo como festivais internacionais são importantes para carreira de nosso filme. A cada citação por aqui, nas projeções ou durante os debates, as pessoas referenciam o sucesso no festival de Cannes. Sei que isso não torna o filme melhor ou pior, mas não posso negar que abre uma possibilidade a mais para as pessoas o assistirem em mais lugares e ajuda a gente a levar um pouco mais adiante o trabalho de formiguinha do cinema brasileiro, onde todo mundo faz um pouco pro benefífico de todos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Diário de 5xFavela em Chicago - 3º dia

Hoje foi nossa primeira projeção no festival. Acordamos cedo e almoçamos no Hard Rock Cafe. Nunca foi minha prioridade, mas é maneiro ver a famosa guitarra Les Paul do Hendrix. Se falasse inglês ia pedir pra tocar. A projeção à noite foi maravilhosa. Muitos aplausos e um grande debate após a sessão. É meio chato ficar falando bem do próprio trabalho, mas esse é o clima em Chicago e me sinto na obrigação de dividir com vocês.

A primeira dose dessa impressão foi já no serviço de migração, quando desembarcamos. Os policiais ficaram apavorados com a pouca idade do Cadu. “Minha filha tem sua idade, estuda cinema; mas nem pensa em fazer seu primeiro filme. Essa é uma realidade muito distante para ela”. Dizia uma policial. Nesse momento percebi a responsa que é carregar essa bandeira de novo cineasta latino-americano. A cada dia que passa aprendemos mais a ter essa postura e tentar servir de exemplo pra tanta gente que ainda acha que cinema é uma arte pra poucos.

Logo ao adentrarmos o cinema a organizadora do festival nos apresentou um casal de brasileiros que diziam estar loucos para assistir o filme, que acompanham este diário no site e estão muito felizes com todos os resultados que temos conseguido. Fiquei perguntando quem seria o simpático casal, mas ninguém soube me explicar. Depois da projeção eles nos convidaram para uma festa que seria oferecida ao 5x favela amanhã. Como o senhor só falava em segunda pessoa do plural fiquei ainda mais curioso em saber quem era. Depois que foram embora acabei descobrindo que ele é o cônsul brasileiro em Chicago.

Durante o debate rolou aquela comparação inevitável com o filme Cidade de Deus. Pelo menos três perguntas do público foi a respeito dessa comparação. Hoje foi bem mais fácil discutir com a galera, porque exibimos o filme. No debate de ontem, o papo ficou mais na área política que na estética, mas entendo que isso aconteceu por conta das pessoas não terem assistido, ainda.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Porradão de 20 - Celso Athayde


O Porradão de hoje é com dois daqueles que estão se destacando como as mais bem-sucedidas promessas do cinema nacional, tendo dirigido dois curtas que compõe o filme "5 X Favela – Agora por nós mesmos".

Cadu Barcellos, 22 anos, integrante da organização Observatório das Favelas. Morador do Complexo da Maré e diretor do filme "Deixa Voar".

Cacau Amaral, 36 anos, vive em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Dirigiu junto com Rodrigo Felha o filme "Arroz com feijão".

Desliguem os celulares que a sessão já vai começar!

- Quem eram vocês antes e quem são agora?

1 - Cadu Barcellos: Eu era o Cadu Barcellos, morador do Complexo da Maré, um moleque de 23 anos que pra muitos estava remando contra a maré querendo fazer cinema, uma arte elitista, e cara que meus amigos familiares e vizinhos não viam como algo para um favelado. Hoje sou o Cadu Barcellos, morador do complexo da Maré, Cineasta que provou a muita gente que podemos sim ser cineastas, advogados, médicos, astronautas, atores e etc.

2 - Cacau Amaral: A mídia se interessou muito por nossas histórias e entendo isso como uma coisa boa. Mesmo sabendo que internamente não muda muita coisa. Sou o mesmo Cacau Amaral de cinco anos atrás, mas com uma oportunidade a mais de aumentar o bolo de amizade e cooperação profissional. Fazia filmes com meus amigos da CUFA, do Mate com angu e sempre esbarrava com outras galeras pelos festivais e debates, mas agora pude me aproximar muito mais do Vidigal, da Maré... Conheci pessoas muito bacanas e levo isso pra minha vida.

- Um dos pontos comuns em todos os curtas que compõem o filme, seja na leveza e ingenuidade que propõe alguns temas ou no peso que propõe outros, é que a noção de certo e de errado é relativa. Essa noção de ética já foi uma dúvida em algum momento da vida de vocês?

3- Cadu Barcellos: O que é certo ou errado, a linha da legalidade e da moralidade são bem mutáveis pra quem mora na favela e pra mim não é diferente. Tive dúvidas em muitos momentos e acho que posso voltar a tê-las e acho isso muito bom porque me faz refletir sobre o espaço em que vivo e a sociedade em que eu ando, crio, recrio, discuto e quero mudar.

4- Cacau: Tive uma infância isolada dentro de meu bairro. A única experiência cultural fora dele era assistir o filme dos Trapalhões no fim do ano e ver o Papai Noel chegar de helicóptero no Maracanã, tudo nas férias de verão. Durante todo resto do ano, aprendia uma ética muito peculiar com meus vizinhos e quando comecei a frequentar o centro da cidade tive vergonha dessa forma de pensar. Tentei imitar as pessoas de outros lugares, mas o convívio com vários pensadores me trouxe referências que me fizeram perceber a babaquice que estava praticando e inverti o processo de novo: passei a negar a cultura hegemônica e a gritar que minha cultura é que era foda. Hoje vejo que tudo valeu. Esse transitar me fez gozar um novo momento, onde pude agregar experiências de todos os lados e engrossar meu banco cultural.

- O título do "agora por nós mesmos" sugere a mensagem de que foram necessários quase 50 anos para que um filme intitulado "5 vezes favela" fosse realmente dirigido por moradores de favelas. O que no cenário do cinema nacional atual favorece a realização de produtores de favelas e periferias e quais ainda continuam sendo os principais empecilhos?

5- Cadu Barcellos: O que ajuda é o "boom" tecnológico com câmeras digitais, celulares, agora câmeras HD's que permitem que a gente experiente, faça e faça, coloque a mão na massa. Mas ao mesmo tempo muitos de nossos filmes não têm visibilidade e mercadologicamente falando ainda não fomos inteiramente absorvidos.

6- Cacau: O grito da periferia passa a ser ouvido. Essa voz sempre ecoou em três aspectos: num primeiro momento como um lamento infinito, sem saída; depois como o apontamento de um caminho de desgraça para ambos os lados e num terceiro momento tendo como propósito maior a visão de solidariedade. À medida que os mais privilegiados entendem que a segregação trará consequências para eles mesmos, cria-se esse terceiro momento onde aparentemente a união reina entre a população. Mas sabemos que no fundo isso é só um apontamento, uma vontade. Lutamos para que essa idéia se torne uma união de fato, pois hoje ela acontece apenas entre uma minoria. Tenho fé que 5x favela – agora por nós mesmos contribuirá para esse futuro que tentamos imprimir.

O principal empecilho é o preconceito. Não podemos achar que todo brasileiro tem a mente aberta, pois nem todo mundo teve a oportunidade de conhecer seu país. Se não conhecemos o outro não podemos enxergá-lo como nós mesmos, mas à medida que temos acesso a essas pessoas, temos a oportunidade de sentir na pele o que eles sentem. Acredito que nosso filme é uma oportunidade para muitos brasileiros que nunca tiveram acesso à favela, o tenham através da tela do cinema. Pelo que estou percebendo as pessoas confiam no "agora por nós mesmos" e entendem nosso enquadramento da favela como uma real oportunidade de conhecê-la. A exposição desse espaço; tenso, dramático e alegre ao mesmo tempo; é a melhor forma de corroermos o preconceito, que foi construído em cinco séculos de cultura. Essa virada que vivemos hoje depende de muito trabalho até que tenhamos força para lutar de igual pra igual. Não fazemos isso pela periferia. Fazemos pelo Brasil.

- "Cinco vezes favela", lançado em 1962, ficou marcado com um dos filmes fundamentais para o advento do cinema novo. Alem do inegável legado social, o que esperam dessa nova versão ?

7- Cacau: O cinema é uma arte de vários braços, entre eles uma ferramenta de proposição de comportamentos. O cinema norte-americano passou um século impondo seu modo de ser ao resto do mundo. Não quero fazer juízo disso, mas entendo que o cinema pode e deve ser usado pela América Latina para difundir nossos valores dentro e fora dela. Fiquei feliz em ver que a crítica européia tem olhos para esse movimento e tenho muito orgulho do em fazer parte disso.

8- Cadu Barcellos: Acho que esse filme também é um marco quando penso que agora é "por nós mesmos", são realidades, histórias que muitos já até ouviram por ai, mas não estavam impressas cinematograficamente falando, são historias que agora o mundo vai poder ver. E esse filme abre uma porta que esteve há muito tempo trancada, é mostrar um trabalho que vem sendo reconhecido pela crítica, em festivais.

- Você acredita que esse reconhecimento tem sido conquistado por qual motivo? Seria apenas pela bandeira social que o filme levanta?

9- Cadu Barcellos: Acredito que menos pelas questões sociais ou por ser da galera da favela e mais por sua qualidade cinematográfica. Mostrando que democracia sem oportunidade não é democracia, que a oportunidade foi dada e foi correspondida. E que outros filmes venham para carimbar isso.

- Quais foram os momentos mais difíceis no set de gravação?

10- Cadu Barcellos: Fazer um filme é sempre muito difícil, ainda mais no Brasil. No meu caso meu episódio era todo exterior dia, eu necessitava de sol, então eu precisei de uma semana de sol para gravar meu filme. Se chovesse não tinha cena interna para gravar. Mas meu santo é forte e tive uma semana com um sol de rachar. Rs rs

11- Cacau: Dirigir crianças. Eles não respeitam marcas e tornam os ensaios muito mais longos. Já nos testes de elenco, percebemos que seria uma aventura arriscada, mas ao mesmo tempo a intuição nos apontava para um grande leque de possibilidades. Entendo que a disposição em apostar nessa moeda foi uma das forças que levaram ao sucesso do filme.

– E os mais marcantes?

12- Cadu Barcellos: O dia mais marcante foi quando filmei na Maré, no meu lugar, na minha casa meu quintal. Ter feito planos no lugar onde cresci corri, brinquei, aprendi, perdi, ganhei foi mágico pra mim. Eu nunca tinha visto a Maré retratada no cinema, inclusa na mágica que é um filme, um set de filmagem. Foi muito especial.

13- Cacau: Estamos o tempo todo aprendendo. Quando recebi o convite para dividir a direção com o Felha, aceitei por confiar no Cacá; mas ao mesmo tempo fiquei com medo. Antes de 5x favela, tive experiências desgastantes dividindo direção; mas em conversa com nossos mestres, nesse caso o Ruy Guerra, entendi que o fato estava posto e não havia pra onde correr.

- Qual foi a solução encontrada?

14- Cacau: Nossa opção foi ao invés de olhar isso como um problema olhar como uma oportunidade de crescimento. Ter uma cabeça pensante a mais para facilitar as tomadas de decisão, diluir os momentos difíceis e principalmente amplificar os bons. Foi com esse sentimento que eu e Felha nos transformamos num só coração e tocamos esse barco até o fim. Aprendi muito com isso. O cinema é uma arte coletiva. Quanto mais você abre mão da autoria, mais você é autor.

- Vocês acreditam que o cinema nacional passa a partir desse momento a olhar os realizadores de favelas e periferias com outros olhos?

15- Cadu Barcellos: Acho que um passo foi dado, não me iludo a achar que agora teremos vários filmes com o olhar de realizadores de favelas da noite pro dia. Mas acho que foi um primeiro passo para mostrar que nas favelas se sabe fazer e muito bem.

16- Cacau: Sim. Vejo isso na prática em todos os debates, entrevistas e quando ando pelas ruas. Nossa galera já produz há muito tempo. São dezenas de coletivos de cinema no Rio, São Paulo, Minas, Brasília e muitos outros estados. Na internet você pode achar centenas de obras dignas do grande público, o problema é que o mercado não comporta – hoje – toda essa massa produtiva. 5x favela vem, diante desse cenário, dar mais um empurrão e funcionar, principalmente, como uma vitrine para que mais pessoas tenham acesso a essa cinematografia.

- Vocês acham que seus projetos pessoais terão mais chances de serem aprovados a partir de agora?

17- Cadu Barcellos: Acho que estamos em um bom momento, mas não acho que nossos projetos serão aceitam se não forem bons. A qualidade está acima de qualquer coisa.

18- Cacau: Aposto todas minhas cartas nisso. É diferente um de nós chegar numa empresa com seu projeto embaixo do braço hoje e antes do filme. Tivemos muitas dificuldades para captar recursos com sete cineastas iniciantes, mas hoje muitos empresários que não acreditaram devem ter se arrependido. Digo isso não a partir de uma visão subjetiva minha, mas objetivamente porque o filme foi sucesso de crítica e já está sendo de público.

- Como vocês vão administrar as relações de vaidades diante de tanta divulgação e reconhecimento?

19- Cadu Barcellos: Ainda estou me acostumando com esse reconhecimento e em alguns momentos a "tietagem", mais a realidade nos deixa com o pé no chão. Ainda pegamos o ônibus lotado, temos que tirar daqui pra pagar uma conta ali, colocar lá pra suprir daqui. Então acho que quanto a isso estamos bem tranqüilos.

20- Cacau: Essa equação é complexa e não se resolverá da noite pro dia. Como partimos de um processo de invisibilidade, ser reconhecido pode ser prazeroso, mas também pode trazer transtornos pelo aumento de expectativas inatingíveis ou mesmo por um afastamento de parceiros e amigos. O jeito é nos apegar a eles; os amigos que sempre nos ajudaram, nos cobrando. No lançamento do projeto "Mão na Cabeça", da CUFA, aprendi uma bela lição com o discurso de Luis Eduardo Soares e a partir dali sempre que dou uma entrevista como esta, sempre que posto uma simples frase dita por uma personalidade em meu twitter, me pergunto o que meus amigos vão pensar ao ler aquilo. Se a resposta for que eles me admiraram por ter me tornado uma pessoa mais ética, não tenho dúvida de que estou no caminho certo. Caso contrário é melhor esquecer. Mas ao mesmo tempo não podemos perder a oportunidade de aproveitar o momento e transformá-lo numa constante. É uma faca de dois gumes.

COMENTÁRIOS:

Comentário: Boa Cacau, Cadu e demais. Boa sorte sempre! Aos \"homens de preto\". kkk Clayton
Clayton Vidal - RJ

Comentário: \"Agora por nós mesmo\" é, pra mim, o melhor conceito que filme 5X Favela trás. Os entrevistados deixam transparecer essa necessidade de produzir uma compreensão da favela pelos próprios moradores. E mais, a partir disso, influenciar as outras representações sociais existentes. A maior conquista do filme pode ser pensada pelo sucesso de bilheteria: mostra que grande parte da sociedade brasileira quer entender essa (re)contrução da favela por seus moradores. O diálogo estará se ampliando entre as realidade sociais desiguais e, por isso, acredito no filme como um novo divisor de águas em nossa cultura nacional. Parabéns aos produtores!
Paulo Pedrassoli - PR

Comentário: Lição de perseverança, identidade, reconhecimento e atitude. Dentre outras coisas eles nos mostraram um leque de possibilidades que por vezes igoramos por nos fecharmos as condições impostas pela sociedade. Com muita qualidade e profissionalismo colocaram 5 faces das muitas que a favela tem! estou extasiada...
Yaisa Santos - RJ

Comentário: Em 1961, 5x Favela foi uma produção que reuniu cinco diretores da classe média se voltando para a favela. Agora, a diferença é que os diretores atuais são habitantes da Favela, mostrando 5 episódios diferentes, porém sem apenas o estigma conhecido de que favela é sinonimo de bandido-drogas-tiroteio. Uma visão realistica, em uma historia contada por eles mesmos, ou melhor, por nós mesmos! Parabéns a todos!
Nana - GO

Comentário: Quando comecei a ler esse entrevista,deu para perceber que eles nunca deixarão de acretidarem em si proprio, mesmo com toda dificuldade uma lição de pura perseverança.meus parabéns 5 vezes favelas...
JOSE CARLOS- CANÙ - RJ

Comentário: Tudo que li sobre até agora me fazem entender que eles falam com muita propriedade de temas como ética e educação, amizade e amor, solidariedade e tolerância, família e comunidade, sem ignorar a violência e as dificuldades cotidianas de que sofrem os moradores de comunidades e sem deixar a ternura e humor de lado. Cacau e Cadu parabéns por esse grandioso trabalho.
Raphael Faria - RJ

Comentário: Que bom ver essas ações sendo efetivadas. São esses relatos que mudam essa visão ruim de nossas favelas. Vocês mostram que queremos que a favela conte os seus desejos, suas lutas diárias e que, juntamente com os governantes, possam influenciar diretamente na proposição da sociedade justa, solidária, igualitária e constantemente sonhada.
Danillo Bitencourt - BA

Comentário: Interessante sabermos como foi gravar o filme, se, como dizem, fazer filme no Brasil é difícil, gravar um filme com a história de quem tantas vezes é esquecido.
Joana Miranda - PR

Comentário: São histórias como essa, que nos damos conta que extravasar os limites e romper barreiras é possivel. Não existe dificuldades para aqueles que acredita, que podem fazer mais. E melhor, fazem realmente. Cacau e Cadu podem acreditar, esse momento de \"tietagem\"é fruto da dedicaçao e comprometimento de vocês com a excelência. Todas as dificuldades serviram de adubo para o sucesso maravilhoso de vocês. Sigam firmes, porque ainda tem muita coisa boa pra chegar!
Maria Dinora Rodrigues - RS

Comentário: Vendo hoje tudo oque acontece no cinema nacional, podemos sentir um pouco do gosto da vitoria, pois quando leio uma entrevista de pessoas como Cacau Amaral, o qual conheco pessoalmente, e meu amigo em particular e ainda dirigindo um projeto como esse o 5X Favela, sinto um orgulho imenso, pois acredito muito nopotencial de cada um envolvido nisso e sei que irao muito mais longe, parabens 5X Favela, parabens a todos.
Wellington Galdino - RJ

Comentário: Lição de perseverança, identidade, reconhecimento e atitude. Dentre outras coisas eles nos mostraram um leque de possibilidades que por vezes igoramos por nos fecharmos as condições impostas pela sociedade. Com muita qualidade e profissionalismo colocaram 5 faces das muitas que a favela tem! estou extasiada...
Yaisa Santos - RJ

http://www.celsoathayde.com.br/2010/in.php?id=porradao/porradao_cacau

domingo, 15 de agosto de 2010

Nova programação

Artigo publicado no Estadão em 15 de agosto de 2010

Quando recebi o correio de meus camaradas de cineclube a respeito de um vídeo postado no youtube, onde o jovem Leandro é chamado de otário pelo governador, corri pro site. Assisti várias vezes e fiquei refletindo sobre o poder das novas linguagens. Antes de viajar com o 5X Favela, Agora Por Nós Mesmos pra Cannes, tinha feito outra viagem pra debater com os franceses sobre educação à imagem, um tema que considero bastante interessante e está sempre em evidência na mídia.
Vivemos uma época onde o acúmulo de conhecimento não é mais a coisa importante. São redes sociais, onde distribuímos informação em um piscar de olhos; páginas de busca, onde encontramos tudo ou quase tudo que precisamos para escrever um texto como esse por exemplo. A informação está a um clique de mouse.

Na discussão em Paris falamos sobre um evento específico da ocasião, que foi a centena de filminhos que retratavam o momento exato do tsunami e como a mídia convencional seria incapaz de estar em todo lugar ao mesmo tempo. Várias emissoras consagradas, páginas eletrônicas de grandes jornais, rádios de longo alcance. Todos se rendem à nova modalidade de informação. Existe gente que chega a arriscar que a comunicação como conhecíamos antigamente irá acabar.
Todo dia assistimos nossas vidas serem compartilhadas na grande rede, com ou sem nosso consentimento. No início resisti um pouco, mas logo abri mão do preconceito que me impedia de enxergar o lado bom dessa transparência e me rendi. Hoje não me enxergo afastado dessa rotina digital. Acho que isso é bom. Muito bom. A acessibilidade da periferia aos meios de comunicação; não só como mediadores, mas principalmente como produtores de conteúdo; é o carro chefe que norteia minha opinião.

Vivi isso ao dirigir 5X Favela, Agora Por Nós Mesmos. Conheci pessoas fantásticas que faziam um trabalho parecido com o meu, mas, assim como eu, estavam escondidos nas diversas periferias do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que eu e Rodrigo Felha filmávamos o cotidiano do nosso entorno, Luciano Vidigal, Luciana Bezerra, Manaíra Carneiro, Cadu Barcelos e Wavá Novais filmavam o deles. Não receberíamos o reconhecimento que recebemos ao levar nosso filme para o Festival de Cannes, onde fomos aplaudidos de pé por muitos minutos; ou no Festival de Paulínia, onde fomos aclamados com sete prêmios. Nada disso teria acontecido se em um dado momento de nossas vidas não tivéssemos encontrado uma camerinha simples, bem diferente das câmeras sofisticadas da indústria cinematográfica, que nos possibilitava romper o elo de invisibilidade no qual nos enxergávamos mergulhados. Assim como meus vizinhos, fui educado a não ser protagonista de nada.

O primeiro contato com as possibilidades da realização foi quando caminhava pelas ruas de Duque de Caxias e ouvi um rap tocando no sebo que vendia discos de vinil. Prestei atenção na letra. Era muito parecida com as coisas que aconteciam comigo. Olhei a capa do disco e o cara se vestia igual a mim. Pensei: se ele pode, eu também posso!

Iguais a mim, centenas, milhares de jovens brasileiros têm sua oportunidade de serem protagonistas da própria história. Não é uma coincidência que isso esteja acontecendo, pois há muito tempo esses jovens vêm correndo atrás desse momento. Seja na música onde as grandes gravadoras se transformam praticamente em reféns disso que chamei de nova época da comunicação, seja no cinema onde temos à nossa disposição ferramentas de distribuição alternativas, que a cada dia são mais e mais aproveitadas por usuários domésticos e empresários visionários. As favelas estão impregnadas de cursos de cinema onde a cada período são descobertos mais e mais talentos escondidos. Uma multidão de vozes com os temas mais variados, capazes de balançar qualquer mercado.

Viemos de um vácuo produtivo, onde acumulamos ideias e mais ideias. Hoje sobra vontade de multiplicá-las e difundi-las. Os artistas de hoje não necessariamente precisam se render aos dogmas das grandes corporações. E estas se adaptam ao novo mercado sob pena de prejuízos em conseqüência da resistência à cultura nova. Tem empresa que consegue enxergar isso facilmente e faço questão de congratular esse tipo de visão.

Acredito que todos devem trazer essa adaptação para o dia a dia, sejam empresários, moradores de favelas, do asfalto, eleitores, políticos. O episódio vivido pelo governador do Rio de Janeiro foi lamentável, mas prefiro me concentrar nas mudanças que ocorrem na vida de Leandro. Um jovem que num dado momento resolveu sair de sua casa e roteirizar sua própria história. Gosto dessa história porque eu sou um Leandro. Faço parte dessa geração que pega a câmera e vai pras ruas filmar tudo à sua volta. Uma geração que estuda e usa a tecnologia a serviço da sociedade. Que se embrenhou na rede de computadores e troca ideias com o mundo globalizado. Que se cansou de ser refém de uma programação controlada pelos outros e impõe a nova programação, uma nova linguagem.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Salve ao cinema

Estamos há alguns minutos da cerimônia de encerramento do III Festival de Paulínia. Deu um tremendo frio na barriga. Senti isso pela primeira vez na Mostra do Filme Livre, no Rio, em 2005, onde recebi o prêmio de melhor curta por “1 Ano e 1 Dia”, meu primeiro curta. De lá pra cá foram 51 festivais e ainda não consigo acostumar.

Agora começou a premiação em Paulínia. Ganhamos o prêmio de melhor filme segundo o júri popular. Estou com minha filmadora ligada. Não sei se desligo, se a levo pro palco, se entrego à mina da produção. Discursos inflamados, sorrisos. Toda equipe em cima do palco. O teatro é enorme, está lotado. 1000 pessoas? Não sei. Minha perna treme. Fotos. Fotos. Nos sentamos e segue a premiação. Receber o prêmio do júri popular é o maior pagamento que poderia receber. Não me canso em repetir que não fazemos filmes pra ganhar prêmios, fazemos pro público. Se o próprio público nos premia… Não tem preço.

Mais um prêmio. Desta vez melhor trilha sonora. Mal nos sentávamos e os mestres de cerimônia anunciavam outro prêmio; melhor montagem; melhor atriz coadjuvante, Dila Guerra subiu ao palco pra receber. Melhor ator coadjuvante. Gritei para Dila “Nem volta. Já pega o do Márcio Vito”. Depois foi a vez de Rafael Dragaud subir ao palco. Melhor roteiro.

Nossos parceiros não ficavam pra trás. Vira-e-mexe Bróder subia ao palco pra receber um, dois, três prêmios. Esse filme pra mim é como se fosse o próprio 5x favela. Jeferson D é um dos caras que mais admiro no cinema brasileiro. Fora isso ainda tem dois atores que fazem ambos os filmes, a Cíntia Rosa e Sílvio Guindane. Este último me deu um monte de alegria no fim de semana ao declarar em público que Arroz com feijão parece inofensivo, mas é uma critica social dura.

Pra fechar, o prêmio maior da noite: Melhor filme segundo o júri oficial. Recebemos sete prêmios no total. Com mais quatro do Broder são onze vezes periferia.

Na festa após a cerimônia, após todos irem embora; eu, Felha e Jeferson brindamos e filosofamos sobre passado, presente e futuro do cinema brasileiro. Concordamos que vivemos um momento ímpar. Nossa geração encerra a primeira década do século XXI, desta vez por trás das câmeras. Como seria daqui a outra década? Existe um movimento iniciado por um monte de vidaloka. Cacá Diegues comprou essa briga há um tempo. Paulínia comprou a mesma briga hoje. Desejo um brinde a todos que botam a cara e quebram paradigmas. Um salve ao cinema!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Crianças de 30

Os três primeiros filmes que realizei em minha vida foram documentários. Por isso me considerava um pouco distante da arte da interpretação. Um dia, em uma aula de direção, na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, não havia atores pra dirigirmos e me ofereci pra ser dirigido pelos colegas de classe. A dificuldade em entender o que os diretores queriam comigo me fez perceber o quanto é importante a comunicação entre essas duas figuras, diretor/ator.

Trabalhava a alguns anos na Cia de Teatro Tumulto, fazendo trilhas sonoras, e por isso tinha a faca e o queijo. Em dois anos participei de duas peças, atuando, e essa rotina de ensaios, jogos, etc; me fez penetrar nesse universo complexo que é a cabeça do ator e da atriz. Essa pequena experiência permitiu-me entender melhor o que seria a direção de atores.

Vivi um momento intransferível em 5x favela, que foi dirigir os atores mirins Pablo (9) e Juan (11). No primeiro ensaio, eu e Felha ficamos morrendo de medo. Alguns dias antes, um amigo disse que ensaiar crianças é como filmar de um helicóptero sobre o chão de terra. Você passa horas e horas jogando água pra não levantar a poeira e se não fizer essa tarefa bem feita, se não molhar o chão como se fosse a última coisa que faria em sua vida, na hora de filmar a poeira levantará e você perderá todo o trabalho. Dirigir crianças é como filmar com helicóptero: você deve se dedicar por inteiro a essa tarefa. Um pequeno deslize pode custar todo um trabalho de preparação.

Por essas e por outras resolvemos brincar. Não sei se foi por falta de opção, por não conhecermos outras técnicas, se foi a mão invisível do cinema, ou se somos fodas mesmo; mas sei que a cada ensaio brincávamos mais e mais. Tanto, mas tanto, que quem chegasse de fora não entenderia nada, pensaria que estávamos em um momento único de descontração, o que de certa forma não deixa de ser verdade. Cheguei ao ponto de perder o controle, pois traçava metas para cada ensaio e as aplicava através dessas brincadeiras, que nós mesmos criávamos. Nem sempre ou quase nunca conseguia cumprir essas metas e hora por descontrole, hora por eu mesmo me contaminar com as brincadeiras, voltei a ser criança e me nivelei com os atores. Ao invés de transformá-los em dois adultos de 10, nos transformamos, eu e Felha, em duas crianças de 30. Essa interação foi fundamental no momento da filmagem.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Menino de rua

Um menino de rua querendo fugir do seu destino
Queria ser apenas mais um menino
Soltar pipa e rodar pião debaixo do sol
Jogar bola de gude e jogar futebol
Receber um pouco de carinho da sociedade
Ter o mínimo de afeto e dignidade
Quem sabe isso amenizaria a falta que faz?
Viver sem casa e o carinho dos pais
Saúde, escola, alimentação
Moradia digna, afeto, orientação
É o mínimo pra uma criança crescer sadia
E poder exercitar a sua cidadania

Menores carentes vítimas da exclusão
Acabam caindo nas garras da prostituição
Mas o mais estarrecedor é o fato de haver
Oportunistas se aproveitando de quem não tem o que comer
Esse fato denuncia a deformação moral
De adultos que compram um favor sexual
De crianças famintas abandonadas pelos pais
Pela sociedade, autoridades e mais

Se analisar-mos essa situação
Facilmente chegaremos a uma conclusão
Daqui pro futuro eu já poso prever
O que provavelmente poderá acontecer
Um futuro marcado por tensões sociais
Muito mais graves do que as atuais
Porque a vida está difícil
Mais difícil a cada dia
Mais moleques na rua com a barriga vazia

Menores a deriva sem um leme para se apoiar
São uma porta aberta, desprotegida
Para enfrentar um mundo difícil a valer
Um mundo louco que elas não conseguem entender
Não por falta de conhecimento
Mas sim de vida
Pois a média etária é cada vez mais reduzida
Num mundo de drogas e de criminalidade
Num mundo criado pela própria sociedade

Durante toda noite querer
Mas não poder ter
Um cobertor para tentar se proteger
Do frio que faz durante a madrugada
Tornando gelado o coração da molecada
Invadiram o abrigo debaixo da ponte
Distribuindo porrada e inventando um monte
Não adianta se explicar na hora da dura
Pros desgraçados detonadores da paz noturna
Por outro lado os traficantes ensinam como é que é
Aviãozinho pra descolar um qualquer
Qualquer merreca vai ser muito bem vinda
Pode ser em grana ou então em cocaína
Mão de obra barata que ainda mora distante
Pra quando rodar pros homi não queimar o traficante
De um lado os bandidos de outro policiais
O moleque no meio não tem nenhuma paz
Sofrendo de todas as formas, dia e noite, noite e dia
Chorando e tentando se esquivar da perseguição doentia
Essa é a sua opção pode escolher
Ser ladrão, mendigo ou então morrer

Moleque de rua, a culpa dessa desgraça não é sua
Moleque de rua, seu telhado tem estrelas e a luz da lua

Cacau Amaral (2000)

sábado, 29 de maio de 2010

Hoje acordei com uma vontade danada de ir pra Cannes


Duas semanas após embarcarmos na maior viagem de nossas vidas, já sinto saudades dessa aventura. Após onze horas de vôo a concentração para a caminhada pelo tapete vermelho de Cannes foi indescritível. Observava as pessoas esperando, fotos e mais fotos. Não fazia a menor ideia do que estava por vir. No dia seguinte, nossa primeira projeção para a crítica mundial me deixou bastante nervoso. Sabia que se apenas um dos críticos soltasse um comentário de desagrado, isso poderia dar início a uma reação em cadeia que seria difícil de contornar, mas ao contrário o que os jornais do Brasil e do mundo noticiaram foi muito positivo, até mais que esperava.

Após uma tarde inteira de entrevistas, fomos para a primeira projeção pública do filme. Do alto da sala onde aguardávamos o início da sessão era possível ver a fila para entrar, a primeira fila da minha vida. Esqueçam tudo que falei sobre a emoção de caminhar sobre o tapete vermelho. Essa caminhada tem uma simbologia muito sinistra, mas não chega nem aos pés da emoção real, se e que posso dizer assim, dos minutos antecessores à projeção.

Aguardávamos atrás da platéia quando o mestre de cerimônias começou a nos anunciar, um de cada vez. Fomos para diante do público e nesse momento quase já não me mantinha de pé. Após o Cacá agradecer a recepção e nos sentarmos nos lugares reservados, olhei pro lado e falei pro Cadu: vou chorar! Seus olhos encheram d'água e não resisti. Protegido pela sala escura chorei igual criança, igual Wesley e Orelha. Tentava esconder, mas não era necessário pois estava abafado pelo soluçar de todos diretores e elenco, que também se derretiam em lágrimas.

Ao final da primeira história o público aplaudia como se o filme já tivesse acabado. Cheguei até a ficar preocupado, pois os aplausos invadiam o início da segunda história e eu nada poderia fazer nessa espécie de tortura boa. Na primeira piada quando todos riram fiquei impressionado como o tempo dessa ação funcionou, mesmo em terras distantes, mesmo com a barreira da língua, mesmo com a legenda.

Quando os créditos finais subiram as pessoas começaram a nos aplaudir, primeiro sentadas, depois de pé, depois não paravam mais. Senti uma coisa estranha, ao mesmo tempo que esperava os aplausos se esgotarem, curtia aquele momento, aplaudia também e abraçava a equipe. Foi ótimo. Voltamos pra frente da platéia e começamos a dançar sobre a música tema. As pessoas riam, nos parabenizavam. Sentia uma coisa, assim, tipo missão cumprida.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fuzzcas e The Mothers...

Sábado à noite antes de sair de casa assisti o Revista do cinema nacional, na TV Brasil, onde foi exibida uma matéria com o 5x Favela, agora por nós mesmos. Essa foi a matéria mais completa das que assisti até agora. Com cenas do filme e depoimentos de todos os diretores e diretoras.

Passei na feira de Caxias e dei um bizoiada nas placas das comidas: galinha cabidela, cabrito na chuva, buchada de bode, mas o prato indicado pela própria dona da barraca foi feijão de corda. Depois parti pro Motoclube Veneno da Cobra, que fica ao lado da Faculdade FEUDUC. As bandas programadas eram Fuzzcas e The Mothers...

Antes de entrar parei pra beber uma gelada com os amigos. Se soubesse não jantava antes, porque tinha uma mina queimando uma carne, em comemoração ao seu aniversário no bar, e abastecia a gente a cada minuto. Entrei por volta de uma da manhã e assisti uns vídeos no telão. Depois o DJ Danilo começou a tocar e mandou só lado B. Mesmo o vídeo sendo do ex-vocalista do Stray Cats, Dj tocando ao vivo não tem como comparar.

Ao contrário da filipeta, a banda Fuzzcas foi a primeira a tocar. O figurino é bem bacana, com guitarra, baixo e batera vestidos de preto e branco e a vocal com um vestidinho e uma maleta cheia de objetos sonoros, ou não, que usava ao longo do show. Tudo bem amarrado e bem tocado. Seu rock me lembrou bastante Beatles, até porque eles fizeram covers deles e da Yoko.

Quando a banda The Mothers entrou, pensei em ir embora. Não porque ela fosse ruim, muito pelo contrário. Pelo horário mesmo. Passavam das três da manhã e não tenho mais disposição pra ficar tanto tempo acordado. He he he! Se bem que dá pra perceber um pequeno impacto do som completamente controlado do Fuzzcas para o ruidoso deles. Fui ficando e aos poucos me entregando ao show.

Antes de começar havia percebido que visualmente os integrantes não tinham nada haver um com o outro. O baixo/vocal usava um visual rocker, o baterista não tinha cara de roqueiro e o guitarrista muito menos. Sendo que o batera mudou completamente ao subir ao palco, me causando a impressão que ele era contagiado pela inquietude do vocal. Já o guitarra não expressava agitação, o que ficava bem interessante. Ele destoava do resto da banda compondo um cenário híbrido sem ser inconveniente, já que segurava muito bem nos rifes.

Fui embora na última música. Valeu a noite, não só por encontrar os amigos, mas principalmente pelo ótimo show do Mothers... Rock na veia mermo! Se cantassem em português gostaria mais ainda. Fiquei curioso em saber o que eles falavam das gurias.

É noise!

Cacau Amral
8 de maio de 2010

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tensão. Agressão. Reconciliação.

Era uma vez
Uma vida que começou a mudar
No belo dia que cruzei aquele olhar
Sem esperar, me apaixonei
Ela era muito mais do que um dia eu sonhei
Me casei
Seu pai me trouxe sua mão
Me incumbiu da missão de lhe dar proteção
A possuí em meus braços e cumpri o ritual
Minha princesa de cristal

Até que um belo dia houve a primeira briga
Nada demais, uma pequena intriga
Mas como dor de barriga, não foi só uma vez
Em menos de um mês foram duas...
Três...
Era conversando que a gente se resolvia
Gritava
Mas só que nunca batia
Desculpe
Nunca mais vou te xingar
A partir de hoje vou apenas te amar

Mas a danada da rotina só trazia mais tensão
E dessa vez não foi só um palavrão
Ingenuamente ela tentou revidar
Empurrei-lhe uma vez
E voltei empurrar
Com o corpo mais frágil
Cada vez mais acuada
Foi ficando agressiva
Não media as palavras
Fui criado para não aceitar desaforo
O sangue encheu meu olho e...
Capotei-lhe um soco

Os vizinhos achavam que aquilo era normal
Não meteriam a colher em briga de casal
Prometo melhorar
Aconteça o que aconteça, me perdoe.
Onde estava com a cabeça?
Fui parar na delegacia algemado
Mas não foi nada difícil convencer o delegado
Foi ele mesmo quem propôs a solução
Um novo perdão
E conseqüente reconciliação...

Preferia que tivesse me trancado
Não teria voltado
E te estrangulado
Não extrapolaria os limites do jogo
Entre um buquê de rosas e uma arma de fogo
O que foi que eu fiz?
Onde isso começou?
Nunca desejei atirar em meu amor
Quem foi o mentiroso que escreveu esse roteiro?
E me transformou num assassinou traiçoeiro

Se pudesse voltar atrás
Não faria mais
É indescritível a falta que você me faz
Confesso que não sei quem foi que mais perdeu...
Mas sei quem ofendeu...
Mas sei quem foi que bateu...
Mas sei que quem matou fui eu.

domingo, 2 de maio de 2010

A pedra do meu sapato

A pedra do meu sapato
Incomoda muito a mim
A quadra tem muito buraco
E também te muito capim

O banheiro é um cubículo
O chuveiro está quebrado
Qualquer dia teremos que trazer pinico
E o cheiro também não é muito perfumado

Bom esporte é o futebol de salão
Fazer um gol, todo mundo jura
Mas tem muito cara grandão
Pra jogar, só de armadura

Cacau Amaral, 1980

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Qual a função política do documentário?

A maior referência cinematográfica de minha infância são os filmes dos Trapalhões que minha mãe me levava para assistir todo final de ano nos Cinemas de rua em Duque de Caxias. Hoje, 99% desses cinemas não existem mais, pois deram lugar a grandes magazines ou templos religiosos. O primeiro deles foi o Cine Brasil, seguido do Cine Caxias, Cine Paz, Cine Central, Cine River... É... Caxias era bem servido de cinemas.

Uma vez fomos assistir O Mundo Mágico dos trapalhões. Poxa! Se os trapalhões já eram sinistros, imaginem O MUNDO MÁGICO dos trapalhões. Numa das primeiras cenas o Zacarias passa de terno, gravata, carregando uma mala e sem peruca, olha para a câmera e cumprimenta-a. Fiquei ali parado, pensando... Alguma coisa muito estranha estava acontecendo em minha cabeça de oito anos de idade. Olhei para minha mãe com um olhar meio tímido, meio medroso, e ela nada.

Quando saímos do cinema, percebi que não era a única criança apavorada. Tinha neguinho chorando e o cacete. Olhei novamente para minha mãe, mas desta vez com um olhar penetrante, como quem perguntasse... E aí?

– Desculpe meu filho... Eu não sabia que era um DOCUMENTÁRIO.

A partir deste dia a palavra, documentário, não foi mais esquecida por mim. Passei a associá-la a uma coisa muito ruim. Ao único motivo capaz de fazer minha mãe me pedir desculpas. Quinze anos depois, quando fui apresentado ao Silvio Tendler, diretor do filme, fiz questão de contar essa história e ele adorou.

– Eureka. Era isso que eu queria. Quando aceitei esse trabalho, a primeira coisa que eu pensei foi em ver a família reunida dentro do cinema para assistir um documentário. Era meu sonho.

Pela primeira vez em minha vida vi alguém se referir ao documentário como uma coisa produtiva. E a partir daí comecei a pensar sobre o tempo que tinha perdido. Imediatamente me uni ao Rafael da Costa e João Xavier para realizar o 1 Ano e 1 Dia. Captamos cinco horas de imagens e sons para montar um roteiro na ilha durante oito meses. Nesse período conversei com diversos mestres do audiovisual da Cufa, inclusive o Sílvio Tendler e o João Salles, e minha maior guerra foi decidir que plano fica e que plano sai da história.

Esses dias o João Salles falou da ética no documentário em sua palestra do Cinco Vezes Favela. Isso me fez voltar ao período da edição do meu filme. Onde cortar? Onde colar? Quem pode prever as conseqüências de um filme na tela? Principalmente por que quatro anos depois do filme receber três prêmios, o mentor da história foi assassinado. Daí uma questão: Ele faleceu quatro anos depois por causa do filme? Ou se manteve vivo por quatro anos por causa do filme? Ou por causa da militância? Ou por causa da violência? Nunca teremos essas respostas.

Pra finalizar não vou concluir meu raciocínio, pois não tenho essa conclusão dentro de mim. Hoje tenho mais dúvidas do que ontem e acredito que será assim até o fim de minha carreira. Mas mesmo assim torço para estar correto nos pontos de vistas que resolver mostrar e em acreditar que o cinema não deve ser 100% político e nem 100% estético, mas algo entre esses dois extremos. Para uns diretores mais ou menos isso, para uns expectadores mais ou menos aquilo. O importante é não parar de fazer filmes.

É noise!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

10 mil acessos do blog do André de Oliveira

Em comemoração aos 10 mil acessos do blog do meu mano André de Oliveira, também criei o blog do Cacau Amaral. É noise!