quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De Caxias para o mundo - por Rodrigo Coutinho

RIO DE JANEIRO (O REPÓRTER) - Nascido em Duque de Caxias, cineasta, rapper e estudante de jornalismo, Cacau Amaral de 36 anos dirigiu, juntamente com Rodrigo Felha, o curta Arroz com Feijão, um dos episódios do aclamado 5x Favela. Em entrevista exclusiva a O Repórter, ele conta detalhes de sua carreira e opina sobre o cenário cinematográfico brasileiro.

Início no cinema
Eu tinha um grupo de rap, o Baixada Brothers, e estávamos na correria para gravar um vídeoclip. Acabamos percebendo que seria melhor se nós produzíssemos o clipe. Aí entrei no curso de audiovisual da CUFA e me interessei, de lá pra cá já são dez anos.

Origens
Fui criado no bairro Centenário em Duque de Caxias, meu pai era gráfico, minha mãe costureira. No meu bairro, o cara terminar o ginásio já pode se considerar formado. Por conta disso, demorei bastante pra estudar, só agora estou fazendo faculdade. A convivência na rua foi a maior escola pra mim, é de lá que vem a cultura que tenho hoje. Isso me ajuda nos filmes.

5xFavela
Cacá Diegues foi meu professor de cinema e o convite partiu de um telefonema dele. Eu estava indo para Paraty passar o Carnaval e ele me perguntou se aceitava dirigir o próximo projeto dele. Claro que topei! A partir daí comecei a pesquisar sobre o tema, agente já tinha o roteiro do Arroz com Feijão pronto e a coisa engrenou.

Divulgação da Mídia Especializada
A mídia divulga o seu trabalho a partir do momento em que você paga por ela ou começa a fazer muito barulho. O 5x Favela, por ter uma parceria com grandes distribuidoras, foi mais difícil divulgar.

Cinema Brasileiro
O cinema brasileiro não é uma entidade a quem você possa designar uma responsabilidade. Ele é um conjunto de muitas pessoas: eu, você, o público. O buraco é mais embaixo pra quem controla o cinema, tudo parte do perfil do público, se o público exige uma certa cinematografia, o cinema vai caminhar para aquele lado. Se acontece o contrário, o mercado é quem vai domar aquilo ali. É uma equação muito complexa, o cinema não é uma pessoa malvada, ele é o resultado de nós, brasileiros.

Mentalidade do Povo Brasileiro
Não só o cinema, mas a política de uma maneira geral, está caminhando para uma coisa mais democrática. As eleições são o exemplo disso, a mídia centralizada não consegue mudar tanto a opinião das pessoas quanto em tempos atrás. Hoje temos a internet que é um espaço de interação incrível, não é uma comunicação unilateral. É mais fácil a população participar da política do país do que antigamente e, o cinema, não é diferente disso.

Cinema Brasileiro sob a ótica estrangeira
Nas duas viagens que fiz pra fora do Brasil, a impressão que tive foi bem parecida: o estrangeiro só conhece Cidade de Deus. Na França ainda ouvi falar um pouco de Tropa de Elite. Em Chicago, é só Cidade de Deus e Lula, talvez pelo fato de a cidade ter concorrido à sede das Olimpíadas de 2016 com o Rio de Janeiro. Percebi um público de braços abertos com 5x Favela, as pessoas ficavam com os olhos marejados, falando que aquele cinema era um cinema diferente, como se no Brasil não houvesse filmes desse tipo. O mercado acaba selecionando demais, isso faz com que tenhamos poucos representantes do Brasil no exterior.

Realidade Brasileira
É um cotidiano que nós gostamos de mostrar. Antes de fazer 5x Favela, eu estava insatisfeito com os filmes que estava assistindo. Era uma realidade muito rasa, não quero dizer que é mais ou menos verdadeiro. Nós optamos por mostrar coisas que ainda não haviam sido mostradas, tanto pelo teor de ineditismo, quanto para nos sentirmos mais representados. 5x Favela é um filme de ficção, mas baseado numa realidade que vivemos a vida inteira e tínhamos muita sede de mostrar.

A Busca pelo patrocínio
O empresário não quer nem ver a sua cara, quase todos os meus projetos são independentes e mesmo com o Cacá Diegues captando recursos para o 5X Favela, quando ele falava que o filme seria dirigido por cinco novos diretores a tendência era o patrocinador não investir. Das empresas que se negaram a patrocinar, no mínimo uma delas está arrependida.

Novos Projetos
Meu sonho é conseguir viver só de cinema, o mercado está complicado. A maioria dos meus amigos tem que ter outras atividades para poder se sustentar. O filme que eu gostaria de fazer é sempre o próximo, o maior inferno pra mim seria ficar satisfeito com esse filme. A minha carreira no cinema só vai acabar quando eu morrer, tenho alguns projetos parados, mas agora estou pegando todos eles, vendo o que está mais compatível com o mercado e resolvendo o que apresentar aos patrocinadores, acho que agora vai ser mais fácil bater na porta deles.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Diário de 5xFavela em Chicago - 5º dia

Hoje foi a última projeção de 5x favela em Chicago. Após cinco dias pensando no Brasil, confesso que estou ficando com saudades desta cidade. Conhecemos pouquíssimo dela, pois é muito grande e complexa; assim como nosso rio de Janeiro. A quantidade de arranha-céus do centro da cidade faz parecer que não existe pobreza, mas não podemos nos iludir.

O público hoje foi bem mais entusiasmado. O bate papo parecia mais íntimo. Pela terceira vez perguntaram sobre as olimpíadas e muito, mas muito, sobre o elenco. Teve um cara que chegou a citar o nome de Cintia Rosa. Falamos sobre a nossa vontade de misturar atrizes e atores do cinema, TV e teatro, criando um ambiente onde juntamos Hugo Carvana, que já fez mais de 90 filmes; com Pablo Vinicius, que fez apenas uma peça de teatro.

Caroline, a intérprete que ficou com a gente hoje, riu de nossa cara quando soube que não conhecemos os pontos turísticos da cidade. Expliquei que essa não era nossa meta, que queríamos um roteiro mais underground e prontamente nos indicou alguns bares de blus e jazz. “Ninguém pode vir à Chicago e não ouvir blus”. Como estamos bem no meio da semana o que conseguimos foi jazz misturado com música cubana… Maneiro. Já é uma prévia para o que veremos no festival de Havana, em dezembro.

No caminho para o hotel tivemos a ideia de filmar um curta, onde cada um de nós – eu, Bernardo, Cadu e Felha – seria um personagem longe do Brasil com uma trilha sonora blus/jazz/rap/Chicago.

Amanhã, partiremos de volta ao Brasil. Deixamos, no heminsfério norte, bastante amigos e fãs. Mas sobretudo um espaço interessante para difundirmos nosso cinema hoje e sempre. Mais um degrau nessa subida que o 5x favela dá. E sobre nosso blus/jazz/rap: se Chicago não lançar Cuba lança.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Diário de 5xFavela em Chicago - 4º dia

Chegamos ao local da projeção e apresentamos o filme para uma plateia lotada, idêntica a de ontem. Assim que começou a projeção, deixamos o público assistindo o filme e partimos para o coquetel que foi oferecido em nossa homenagem.

Além de João Amino, Cônsul brasileiro em Chicago, encontramos Mila Burns; diretora, produtora e apresentadora do programa Planeta Brasil; e Francisco Quinteiro, que também produs e apresenta com ela. Não conhecia o programa, que aborda a vida de brasileiros que moram fora do Brasil. Gostei muito da ideia, principalmente após ouvir as histórias da dupla, que mora num caminhão e produzem o programa sozinhos. eles se demonstraram muito emocionados com o sucesso de nosso filme.

Todos os dias que estivemos aqui, alguém fez uma colocação sobre a realização da copa e olimpíadas no Brasil. Hoje chegaram a perguntar, no debate, se a gente fez o filme para melhorar a imagem do Brasil no exterior. É lógico que fizemos.

Todo cinema para mim é como uma grande aula, melhor que qualquer escola. Conheci vários heróis brasileiros, que não estão nos livros de história, através do cinema. Vi coisas que não vivi, como a ditadura por exemplo. Sem o cinema não teria acesso a todas essas mudanças que acontecem no Brasil. Se as olimpíadas representarem algum tipo de mudança relevante pro país, acho muito justo que o cinema retrate essa mudança para as próximas gerações. Diferente das histórias que são contadas unilateralmetne, o cinema tem diversos pontos de vista. Isso permite uma construção inimaginável sobre as coisas.

Assim é o roteiro de 5x favela. Todos os debates levaram pra esse lado também, da pluralidade dos roteios. O público do festival disse que está cansado de assistir sempre o mesmo formato de roteiro e que conseguimos romper essa amarra, fazendo um roteiro bem fora do tradicional.

Talvez isso tenho sido possível, com a visão que Cacá Diegues teve em relação a movimentação que acontecia nas favelas cariocas na última década. 5x favela, agora por nós mesmos é nada menos que um amplificador, que fez ecoar várias vozes que estavam caladas nas periferias. Só na Cidade de Deus, onde construímos o roteiro de Arroz com feijão, foram cinquenta e poucos jovens criando um conteúdo que toca brasileiros no mundo todo.

Outro traço a ressaltar é que na movimentação das sessões vejo como festivais internacionais são importantes para carreira de nosso filme. A cada citação por aqui, nas projeções ou durante os debates, as pessoas referenciam o sucesso no festival de Cannes. Sei que isso não torna o filme melhor ou pior, mas não posso negar que abre uma possibilidade a mais para as pessoas o assistirem em mais lugares e ajuda a gente a levar um pouco mais adiante o trabalho de formiguinha do cinema brasileiro, onde todo mundo faz um pouco pro benefífico de todos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Diário de 5xFavela em Chicago - 3º dia

Hoje foi nossa primeira projeção no festival. Acordamos cedo e almoçamos no Hard Rock Cafe. Nunca foi minha prioridade, mas é maneiro ver a famosa guitarra Les Paul do Hendrix. Se falasse inglês ia pedir pra tocar. A projeção à noite foi maravilhosa. Muitos aplausos e um grande debate após a sessão. É meio chato ficar falando bem do próprio trabalho, mas esse é o clima em Chicago e me sinto na obrigação de dividir com vocês.

A primeira dose dessa impressão foi já no serviço de migração, quando desembarcamos. Os policiais ficaram apavorados com a pouca idade do Cadu. “Minha filha tem sua idade, estuda cinema; mas nem pensa em fazer seu primeiro filme. Essa é uma realidade muito distante para ela”. Dizia uma policial. Nesse momento percebi a responsa que é carregar essa bandeira de novo cineasta latino-americano. A cada dia que passa aprendemos mais a ter essa postura e tentar servir de exemplo pra tanta gente que ainda acha que cinema é uma arte pra poucos.

Logo ao adentrarmos o cinema a organizadora do festival nos apresentou um casal de brasileiros que diziam estar loucos para assistir o filme, que acompanham este diário no site e estão muito felizes com todos os resultados que temos conseguido. Fiquei perguntando quem seria o simpático casal, mas ninguém soube me explicar. Depois da projeção eles nos convidaram para uma festa que seria oferecida ao 5x favela amanhã. Como o senhor só falava em segunda pessoa do plural fiquei ainda mais curioso em saber quem era. Depois que foram embora acabei descobrindo que ele é o cônsul brasileiro em Chicago.

Durante o debate rolou aquela comparação inevitável com o filme Cidade de Deus. Pelo menos três perguntas do público foi a respeito dessa comparação. Hoje foi bem mais fácil discutir com a galera, porque exibimos o filme. No debate de ontem, o papo ficou mais na área política que na estética, mas entendo que isso aconteceu por conta das pessoas não terem assistido, ainda.