terça-feira, 13 de julho de 2010

Crianças de 30

Os três primeiros filmes que realizei em minha vida foram documentários. Por isso me considerava um pouco distante da arte da interpretação. Um dia, em uma aula de direção, na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, não havia atores pra dirigirmos e me ofereci pra ser dirigido pelos colegas de classe. A dificuldade em entender o que os diretores queriam comigo me fez perceber o quanto é importante a comunicação entre essas duas figuras, diretor/ator.

Trabalhava a alguns anos na Cia de Teatro Tumulto, fazendo trilhas sonoras, e por isso tinha a faca e o queijo. Em dois anos participei de duas peças, atuando, e essa rotina de ensaios, jogos, etc; me fez penetrar nesse universo complexo que é a cabeça do ator e da atriz. Essa pequena experiência permitiu-me entender melhor o que seria a direção de atores.

Vivi um momento intransferível em 5x favela, que foi dirigir os atores mirins Pablo (9) e Juan (11). No primeiro ensaio, eu e Felha ficamos morrendo de medo. Alguns dias antes, um amigo disse que ensaiar crianças é como filmar de um helicóptero sobre o chão de terra. Você passa horas e horas jogando água pra não levantar a poeira e se não fizer essa tarefa bem feita, se não molhar o chão como se fosse a última coisa que faria em sua vida, na hora de filmar a poeira levantará e você perderá todo o trabalho. Dirigir crianças é como filmar com helicóptero: você deve se dedicar por inteiro a essa tarefa. Um pequeno deslize pode custar todo um trabalho de preparação.

Por essas e por outras resolvemos brincar. Não sei se foi por falta de opção, por não conhecermos outras técnicas, se foi a mão invisível do cinema, ou se somos fodas mesmo; mas sei que a cada ensaio brincávamos mais e mais. Tanto, mas tanto, que quem chegasse de fora não entenderia nada, pensaria que estávamos em um momento único de descontração, o que de certa forma não deixa de ser verdade. Cheguei ao ponto de perder o controle, pois traçava metas para cada ensaio e as aplicava através dessas brincadeiras, que nós mesmos criávamos. Nem sempre ou quase nunca conseguia cumprir essas metas e hora por descontrole, hora por eu mesmo me contaminar com as brincadeiras, voltei a ser criança e me nivelei com os atores. Ao invés de transformá-los em dois adultos de 10, nos transformamos, eu e Felha, em duas crianças de 30. Essa interação foi fundamental no momento da filmagem.

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