Artigo publicado no Estadão em 15 de agosto de 2010
Quando recebi o correio de meus camaradas de cineclube a respeito de um vídeo postado no youtube, onde o jovem Leandro é chamado de otário pelo governador, corri pro site. Assisti várias vezes e fiquei refletindo sobre o poder das novas linguagens. Antes de viajar com o 5X Favela, Agora Por Nós Mesmos pra Cannes, tinha feito outra viagem pra debater com os franceses sobre educação à imagem, um tema que considero bastante interessante e está sempre em evidência na mídia.
Vivemos uma época onde o acúmulo de conhecimento não é mais a coisa importante. São redes sociais, onde distribuímos informação em um piscar de olhos; páginas de busca, onde encontramos tudo ou quase tudo que precisamos para escrever um texto como esse por exemplo. A informação está a um clique de mouse.
Na discussão em Paris falamos sobre um evento específico da ocasião, que foi a centena de filminhos que retratavam o momento exato do tsunami e como a mídia convencional seria incapaz de estar em todo lugar ao mesmo tempo. Várias emissoras consagradas, páginas eletrônicas de grandes jornais, rádios de longo alcance. Todos se rendem à nova modalidade de informação. Existe gente que chega a arriscar que a comunicação como conhecíamos antigamente irá acabar.
Todo dia assistimos nossas vidas serem compartilhadas na grande rede, com ou sem nosso consentimento. No início resisti um pouco, mas logo abri mão do preconceito que me impedia de enxergar o lado bom dessa transparência e me rendi. Hoje não me enxergo afastado dessa rotina digital. Acho que isso é bom. Muito bom. A acessibilidade da periferia aos meios de comunicação; não só como mediadores, mas principalmente como produtores de conteúdo; é o carro chefe que norteia minha opinião.
Vivi isso ao dirigir 5X Favela, Agora Por Nós Mesmos. Conheci pessoas fantásticas que faziam um trabalho parecido com o meu, mas, assim como eu, estavam escondidos nas diversas periferias do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que eu e Rodrigo Felha filmávamos o cotidiano do nosso entorno, Luciano Vidigal, Luciana Bezerra, Manaíra Carneiro, Cadu Barcelos e Wavá Novais filmavam o deles. Não receberíamos o reconhecimento que recebemos ao levar nosso filme para o Festival de Cannes, onde fomos aplaudidos de pé por muitos minutos; ou no Festival de Paulínia, onde fomos aclamados com sete prêmios. Nada disso teria acontecido se em um dado momento de nossas vidas não tivéssemos encontrado uma camerinha simples, bem diferente das câmeras sofisticadas da indústria cinematográfica, que nos possibilitava romper o elo de invisibilidade no qual nos enxergávamos mergulhados. Assim como meus vizinhos, fui educado a não ser protagonista de nada.
O primeiro contato com as possibilidades da realização foi quando caminhava pelas ruas de Duque de Caxias e ouvi um rap tocando no sebo que vendia discos de vinil. Prestei atenção na letra. Era muito parecida com as coisas que aconteciam comigo. Olhei a capa do disco e o cara se vestia igual a mim. Pensei: se ele pode, eu também posso!
Iguais a mim, centenas, milhares de jovens brasileiros têm sua oportunidade de serem protagonistas da própria história. Não é uma coincidência que isso esteja acontecendo, pois há muito tempo esses jovens vêm correndo atrás desse momento. Seja na música onde as grandes gravadoras se transformam praticamente em reféns disso que chamei de nova época da comunicação, seja no cinema onde temos à nossa disposição ferramentas de distribuição alternativas, que a cada dia são mais e mais aproveitadas por usuários domésticos e empresários visionários. As favelas estão impregnadas de cursos de cinema onde a cada período são descobertos mais e mais talentos escondidos. Uma multidão de vozes com os temas mais variados, capazes de balançar qualquer mercado.
Viemos de um vácuo produtivo, onde acumulamos ideias e mais ideias. Hoje sobra vontade de multiplicá-las e difundi-las. Os artistas de hoje não necessariamente precisam se render aos dogmas das grandes corporações. E estas se adaptam ao novo mercado sob pena de prejuízos em conseqüência da resistência à cultura nova. Tem empresa que consegue enxergar isso facilmente e faço questão de congratular esse tipo de visão.
Acredito que todos devem trazer essa adaptação para o dia a dia, sejam empresários, moradores de favelas, do asfalto, eleitores, políticos. O episódio vivido pelo governador do Rio de Janeiro foi lamentável, mas prefiro me concentrar nas mudanças que ocorrem na vida de Leandro. Um jovem que num dado momento resolveu sair de sua casa e roteirizar sua própria história. Gosto dessa história porque eu sou um Leandro. Faço parte dessa geração que pega a câmera e vai pras ruas filmar tudo à sua volta. Uma geração que estuda e usa a tecnologia a serviço da sociedade. Que se embrenhou na rede de computadores e troca ideias com o mundo globalizado. Que se cansou de ser refém de uma programação controlada pelos outros e impõe a nova programação, uma nova linguagem.
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