terça-feira, 9 de agosto de 2011

ENTREVISTA – Cacau Amaral: de Caxias para o mundo

Publicado em Polifonia Periférica

Natural de Duque de Caxias – RJ, cineasta, rapper e escritor. Cacau Amaral. Ligado à CUFA (Central Única de Favelas), participou de curta metragens e videoclipes realizados pela ela. Foi um dos realizadores do documentário Um ano e um dia, premiado em diversos festivais, inclusive no de Jovens Realizadores do Mercosul e na Mostra do Filme.Dirigiu, juntamente com Rodrigo Felha, o curta Arroz com Feijão, um dos episódios do aclamado 5x Favela – Agora por nós mesmos.

PP – Como e quando surgiu o seu interesse pela linguagem do cinema?
CACAU – Quando integrava o grupo de hip hop “Baixada Brothers”. A gente queria fazer um videoclipe e convidamos a Cia de Teatro Lomboko pra ajudar. Não sabíamos nada sobre filmagens, nem eles. Aí tivemos que aprender tudo juntos. Na ocasião, comecei a assistir o cinema russo e me apaixonei. Fiz meu primeiro filme, “1 Ano e 1 Dia”, e ganhei três prêmios, no Rio, Paraná e Ceará. Daí em diante foram mais seis curtas e um longa, o “5x Favela, agora por Nós Mesmos”.

PP – O que representa para você a linguagem do cinema?
CACAU – Mais uma forma de se expressar. Nos manifestamos de várias maneiras, através da música, do teatro, até mesmo escrevendo um email. O cinema veio pra somar nesse caldeirão, pois ele dialoga com qualquer língua, qualquer povo, qualquer cultura.

PP – Como foi a sua trajetória de sua primeira direção “1 ano e 1 dia” em 2004 até “5x Favela” em 2010? O que mais te marcou? Quais as principais lições?
CACAU – Realizamos “1 Ano e 1 Dia” apenas para agradar nossos vizinhos. Costumamos dizer que não dirigimos esse filme, só apontamos a câmera para onde os moradores nos indicavam. É claro que tem a mão pesada do editor, mas nessa época pouco sabíamos sobre cinema. Os prêmios foram uma grande surpresa, pois nem inscreveríamos o filme em festivais. As pessoas assistiam e diziam que era pra inscrever, mas a gente achava o filme muito pessoal pra gente e pros moradores, não imaginávamos que dialogaria tão bem com o público. Passamos o ano viajando pelo Brasil inteiro para participar dos festivais e no ano seguinte senti saudades dessa rotina. Fiz o “Melhor que um poema”, que não gostei do resultado na época. Ficava comparando com “1 Ano e 1 Dia” e achava que estava faltando algo. O “Guerreiras do Brasil” foi o terceiro filme. Veio no ano seguinte e ganhou uma menção honrosa em Minas Gerais, no Festival Favela é Isso Aí. Começaram a me chamar de documentarista. Adorava o tipo, mas queria fazer ficção. Fiz a animação “As aventuras de Agente 77” e recebi mais uma menção honrosa no Festival Visões Periféricas. O filme que eu acreditava não ter dado certo acabou recebendo uma menção honrosa em São Paulo, no Festival de Itu. Daí eu percebi que esse negócio de filme ruim é muito relativo. A gente faz o filme primeiro pensando na gente. Se o bairro gostar, é o momento de levar pra cidade. Depois pro estado e isso não pára nunca. Sempre tem alguém que se identifica com a sua ideia. Fiz outra ficção “À meia-noite morrerei três vezes”. Até que o Cacá Diegues me convidou para dirigir o “5x Favela”.

PP – Como surgiu o Cineclube Mate com Angu?
CACAU – A gente saía pra assistir os filmes que a gente gostava e não achava nada pela Baixada. Tínhamos que pegar dois, três ônibus pra assistir o que queria e acabava encontrando um monte de gente que morava no mesmo lugar e tinha a mesma dificuldade de locomoção. Daí surgiu a ideia: por que não se juntar e passar os filmes pra nós mesmos assistirmos em Caxias. Isso foi há nove anos. No início a ideia era essa, só pra gente, mas o público foi aumentando e tivemos que procurar um espaço maior. Ocupamos a Sociedade Musical Lira de Ouro e não saímos de lá nunca mais. Hoje temos três cineclubistas na direção da Lira, inclusive na presidência. Naquele tempo não tinha nenhuma atividade cineclubista na Baixada, hoje somos mais de dez cineclubes. Às vezes me perguntam por que a Baixada tem tanto cineclube e a gente sempre responde. Nada disso seria possível se não fosse a má distribuição dos filmes na periferia. Agradecemos a morte do cinema na década de 1990. Sem ela não existiria Mate com Angu. Há males que vêm para bem!

PP – Há várias organizações, que atuam na periferia, desenvolvendo oficinas de audiovisual que vem se tornando uma importante linguagem para periferia. Como você analisa essa apropriação do audiovisual pela periferia?
CACAU -Não me canso de repetir. Sou agradecido a todos aqueles que isolaram a gente da cultura. A gente perambulou, perambulou, deu um monte de cabeçada uns nos outros, mas depois percebemos que não precisamos de modelos alienígenas para caminhar. Olhamos à nossa volta e vemos a cultura brotar de dentro da pedra. Usamos essa cultura da maneira que podemos, a princípio com máquinas simples e a cada dia que passa mais e mais integrados ao aparato tecnológico. Quanto mais fomentamos cultura, mais entendemos que os recursos são nossos. Hoje além de projetar os filmes dos outros, produzimos nossos próprios filmes. E não fazemos isso apenas para a periferia. Fazemos porque acreditamos que todos devem ter acesso à cultura de qualidade, seja nas periferias ou nos centros. Não vamos repetir o equívoco do passado, onde se produzia conteúdo para poucos. O que é produzido na periferia é para o mundo.

PP – A periferia nunca produziu tanta literatura, poesia, CDs, filmes, documentários e etc. Como você analisa essa produção e o retorno que tem trazido para as periferias?
CACAU – É um momento. Viemos de um passado muito pobre de produção e hoje estamos entrando, meio que, na base do pé na porta. Estamos distribuindo o conteúdo, mas ainda é embrionário. Ainda não referendamos uma forma de ganhar dinheiro com isso. Ainda dependemos das grandes corporações para fazer distribuições relevantes de livros, filmes, discos. Assistimos o samba virar referência nacional, mas isso não impulsionou a ascensão econômica dos criadores do samba. O funk carioca virou a grande galinha dos ovos de ouro. Saiu do Rio pra São Paulo, pra Europa; e daí? Como estão nossos MCs? Precisamos impulsionar uma economia inteligente onde não vamos falir novamente e, em consequência, limitar nosso fluxo produtivo como no passado.

PP – Novos projetos?
CACAU – “Donana” é um documentário que interrompi pra fazer o “5x Favela”. Ele conta a história de gente que pensou o cenário musical brasileiro desde os anos 1980. Hoje assistimos as bandas consagradas no cenário musical brasileiro, Cidade Negra, O Rappa, KMD5, Nocaute, Cabeça de Nego. Mas pouca gente sabe que todo esse trabalho teve uma semente germinada na casa de Dona Ana. Onde a capoeira, o reggae e a moda expulsaram o estigma de cidade mais violenta do mundo, construído em favor da especulação imobiliária de Belford Roxo.

PP – Uma mensagem final.
CACAU – A gente tem muita riqueza nesse país, cara. Não era pra discriminar as pessoas assim como fazemos. Pra que essa coisa de poucos pretos em toda instituição que a gente chega? Por que as mulheres têm que ganhar menos que os homens se fazem o mesmo trabalho? Alguma coisa tem ser feita. Vamos fazer um filme!

Acesse o blog do cineasta e conheça mais seus trabalhos

http://cacauamaral.wordpress.com/

Entrevista publicada em: http://www.polifoniaperiferica.com.br/?p=473

domingo, 7 de agosto de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

5x Favela na UFRJ

Fui convidado, pela minha ex-professora Shirley Torquato, a proferir uma das aulas do curso de pós-graduação “A favela filmada e cantada”, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais IFCS- UFRJ; que faz parte do pacote “As favelas cariocas e seu lugar na cidade. Aproximações ao debate”.

Exibimos o “5x Favela, agora por nós mesmos” e fizemos um amplo bate papo com os alunos sobre a realização do filme, acompanhados dos professores Luiz Antonio Machado da Silva, Márcia da Silva Pereira Leite, Marco Antonio da Silva Mello.











11/5/2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

domingo, 17 de julho de 2011

UPP - Unidade de poesia dos pretos

Caminhando em frente a rodoviária ouvi um poeta cochichar com outro que acabara de descer do ônibus: "A repressão é forte, mas após às 10 da noite a gente vende quantos livros quiser."

Entendi que além da FLIP, Flipinha, Flipzona e Off Flip; existe uma outra feira acontecendo em Paraty. Não precisa ter olhos de águia para enxergar isso. Já no primeiro dia era possível ver o Borboleta de Mesquita vendendo suas histórias em quadrinhos; o casal de autores de cordel da Paraíba; o Chapolin; os poetas maloqueiristas... Fora uma porrada de gente que passa desapercebido aos nossos olhos. Uma porrada de autotes que se mantém uma semana em Paraty, sabe lá Deus como, vendendo e difundindo a literatura brasileira. Gritando "Vamos ler os poetas vivos!"

Longe dos holofotes essa galera faz a gente refletir sobre o que é mais ou menos relevante para a arte de nosso país. Seja em uma das mais badaladas mesas, onde Joe Sacco difundia seu jornalismo da ilha de Malta, que nos transporta direto pras batalhas da Faixa de Gaza com suas atmosferas em quadrinhos que cospem em nossa insistência por colocar panos quentes no mito da objetividade. Seja nas mesas do pequeno Zaratustra, onde o poeta da praia do sono divide seus microcontos e desaforismos com a plateia.

Sérgio Vaz e sua trupe simplesmente detonaram o sarau do Zaratustra na noite de sábado. De longe o melhor momento da semana. Os poetas do Cooperiferia rasgaram a boca com sua arte descaradamente engajada, como eles mesmos berraram ao microfone. "Não nos peçam a paz porque queremos guerra". Ou ainda: "Vamos implantar a nossa UPP - Unidade de poesia dos pretos".

 

[caption id="attachment_1157" align="alignnone" width="612" caption="Cooperiferia no sarau. Arte descaradamente engajada - Cacau Amaral na Flip"]Cooperiferia no sarau. Arte descaradamente engajada[/caption]

[caption id="attachment_1158" align="alignnone" width="612" caption="Off Flip - Microcontos diretos da Praia do Sono no Zaratustra - Cacau Amaral na Flip"]Off Flip - Microcontos diretos da Praia do Sono no Zaratustra[/caption]

[caption id="attachment_1159" align="alignnone" width="612" caption="Público assiste David Byrne por trás da grade - Cacau Amaral na Flip"]Público assiste David Byrne por trás da grade[/caption]

Quem diria

5 horas
Já estou acordado
5 e vinte
Caminhando pela rua
À luz da lua
Os braços cruzados ajudam a suportar o frio
Perdi um trem
Tá com fo-me
Tá com fo-me
"Trem com destino à Central do Brasil. 5 e 44, plataforma B"
Lotado
Lembrei de Solano Trindade
Tá com fo-me
Tá com fo-me
Daqui a pouco estou na Central
"Aê! Me vê um pastel e um caldo"
Quem diria
Que seria
Poesia
O dia a dia
Da periferia

Quem diria

5 horas
Já estou acordado
5 e vinte
Caminhando pela rua
À luz da lua
Os braços cruzados ajudam a suportar o frio
Perdi um trem
Tá com fo-me
Tá com fo-me
"Trem com destino à Central do Brasil. 5 e 44, plataforma B"
Lotado
Lembrei de Solano Trindade
Tá com fo-me
Tá com fo-me
Daqui a pouco estou na Central
"Aê! Me vê um pastel e um caldo"
Quem diria
Que seria
Poesia
O dia a dia
Da periferia

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Duque de Caxias / CEPE

CAMPEÃO estadual de futebol feminino em 2011

O resultado de 0 x 0 contra o Vasco da Gama, neste domingo, no campo do CEPE, foi suficiente para o Duque de Caxias/CEPE levantar o caneco de campeão carioca invicto. O time possuía a vantagem do empate por ter vencido a primeira partida da final. Mesmo sem fazer gols, Raquel foi uma das jogadoras mais aplaudidas pela torcida. Agora a expectativa é pela Libertadores que será disputada na Venezuela,em setembro. OBrasilserá representado pelo CEPE, campeão da Copa Brasil.


Torcida apreensiva no início do jogo



Empate sem gols garantiu o campeonato


Torcida comemora ao apito final


Jogadoras comemoram a conquista do campeonato



Raquel posa para foto com os fãs

domingo, 20 de março de 2011

Caxias recebe exibição especial de 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos

5 x Favela Agora Por Nós Mesmos, primeiro longa-metragem brasileiro totalmente concebido, escrito e realizado por jovens moradores de favelas, terá exibição de gala em Duque de Caxias no próximo dia 24 de março, às 19h, no Teatro Raul Cortez, no centro da cidade, com entrada franca.

O evento é uma produção do Cineclube Mate Com Angu e apoio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Duque de Caxias e contará com a presença dos diretores e do produtor Cacá Diegues.

O filme foi selecionado para o Festival de Cannes, onde teve sua pré-estreia mundial no dia 18 de maio de 2010. Formado por cinco episódios assinados por sete diretores, o 5 X Favela foi exibido em caráter hors concours, com a presença de mais de 20 pessoas da equipe e do elenco, e recebeu longos aplausos e elogios da crítica.

Os episódios que compõem a película (Fonte de Renda, de Wagner Novais e Manaíra Carneiro, Arroz com Feijão, de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, Concerto para violino, de Luciano Vidigal, Deixa Voar, de Cadu Barcellos, e Acende a Luz, de Luciana Bezerra) contam histórias independentes entre si, cômicas e trágicas, capazes de refletir as múltiplas faces do cotidiano das favelas sem cair nos estereótipos violentos que costumam se perpetuar na representação da vida nas comunidades.

Para o Cineclube Mate Com Angu o filme ainda traz um gostinho especial por contar com a presença de vários integrantes do grupo na ficha técnica, além de um dos diretores, o cineasta Cacau Amaral (www.cacauamaral.wordpress.com).

Após a exibição, haverá um bate-papo com os diretores do filme e o público presente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Literatura (é) a Cura

RESENHA DO LIVRO "Meu Destino Era o Nós do Morro" de Luciana Bezerra
Por: Alessandro Buzo

Foi muito importante ler o livro "Meu Destino Era o Nós do Morro" de Luciana Bezerra (Aeroplano Editora - 264 paginas), ainda mais porque li na hora certa.
Me surpreendeu 3 frases logo na apresentação.
Um dia antes meu filho tinha perguntado: - Pai, porque você lê tanto ?
Expliquei que quem lê não é facilmente manipulado porque se torna uma pessoa mais capacitada, inteligente e com conteúdo.
Ai lendo a abertura do livro da Luciana Bezerra chamei o Evandro (meu filho) pra destacar 3 passagens......confira abaixo.
1/3 - Ler é a chave mestra da imaginação.
2/3 - Através do cinema podemos ver o mundo.
3/3 - O professor de ingles pedindo para os alunos prestarem atenção: - Prestem atenção na aula, porque eu já sei falar inglês.
Comecei o livro com essa boa expectativa, causadas pelas frases do "Agradecimentos"....
Mas outro fato é que pelo livro eu pude saber muito mais do "NÓS DO MORRO" do meu grande amigo Guti Fraga.
A autora é um dos braços fortes do projeto.
O que mais marcou é o momento que enfrento com o "ESPAÇO SUBURBANO CONVICTO do Itaim Paulista", estamos sem apoio financeiro e sem sede. Saber que projetos que eu admiro como o "NÓS DO MORRO" passaram exatamente pelas mesmas coisas me traz força pra não desistir.
Tirando tudo isso, foi ótimo conhecer a trajetória da Luciana Bezerra, uma legitima guerreira, mãe, atríz, moradora de comunidade desde sempre (Rocinha, Vidigal), saber que até ela chegar no sucesso como diretora do filme 5X Favela - Agora por Nós Mesmos...... teve uma longa e ardua caminhada, o que só aumenta minha admiração.
Não conheço ela pessoalmente (apesar de ser amigo do GUTI, conhecer o Cacá Diegues e outros diretores do longa 5X), mas breve vou no VIDIGAL com o Guti e faço questão de conhece-la.
Quanto ao livro eu indico, um história de superação.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Blogosfera

Rolava de um lado a outro da cama. Na verdade o que queria mesmo era voltar a dormir. Acho que deve ser o fim do horário de verão. Quem aguenta? Aproveitei o tempo bônus para visitar a Lurdinha e saber se ouve alguma atualização. Li o texto do Slow, fiz um comentário, li o Heraldo, naveguei com o mouse pelos links do blog do Andre, blog do cacau - eu mesmo - e quando percebi já era hora de sair de casa.

Parti para a tradicional caminhada pelo Centro de Caxias e; como há vintes anos, como dezenas de duquecaxienses; dei uma bizoiada nas capas dos jornais. A ordem do dia era dar porrada na Mãe Loira. Os conflitos entre esses jornais não superavam o "tacou fogo no marido" ou o "manteve sob cárcere privado". Afirmações que fizeram lembrar-me das capas de ontem, com várias mulheres disputando, transferindo, expondo poder.

Um aumento da presença de mulheres nas capas dos jornais convencionais não necessariamente significa que estamos deixando de segregá-las. Vide a forma unilateral que a maioria destas capas hoje trata uma questão doméstica. E sem querer duvidar da integridade dos colegas apuradores, editores, etc; achei prudente ouvir os conselhos da vovó.

Voltei ao ambiente virtual e após ler os mesmos jornais que acabara de ver nas bancas, como um carrasco, senti vontade de cortar a cabeça da mulher. Continuei procurando e após ouvir o outro lado da moeda, queria devolver todas as porradas no homem. Continuei lendo a terceira, a quarta, a décima opinião, até que resolvi expor a minha - esta.

Sinto-me na obrigação; não só de participar, mas principalmente; de convocar toda nação blogueira a ocupar esse espaço para conseguirmos uma nova visão sobre o que vemos nos jornais, o que vemos em nosso dia a dia e – sobretudo – o que “queremos” ver nos jornais e consequentemente em nossas vidas.

Sejam bem vindos à Lurdinha.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

La máquina

.


Em la máquina


Me sinto nos anos 80


No momento mágico de minha geração



Em la máquina


Viajo no tempo



No tempo em que sonhava com um mundo igual


No tempo que resiste à ação do próprio tempo


No tempo que resiste ao momento



Que seria o momento?


O tempo das culturas homogeneizadas?


Das puras e higienizadas?


A sociedade dos mesmos


Onde tudo é igual


Provisório


Contraditório


Diferente; e


Social



Em la máquina


Me sinto incoerente


Me sinto gente


Tenho vontade de abraçar a gente


Por que somos doentes?


Aprendemos o que é igual?



Sinto isso


Em la máquina


.


.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O Cinema é igual o rap

Amanhece mais um dia na periferia. Como toda manhã, Juca caminha sonolento pelas ruas da Baixada Fluminense. A imensa fila do trem quase não o incomoda mais. A rotina de estar um dia após o outro dia ali, transforma esse esperar numa coisa tão mecânica que Juca já nem percebe. Poucos imaginam o porquê de ele sempre pegar o trem no sentido oposto ao do centro. É que prefere acordar mais cedo e voltar duas estações até o ponto final, só para ter o privilégio de viajar sentado. Empurrões, dores nas pernas e sarradas não são problemas pra Juca. Nem mesmo o perigo de cair nos trilhos por conta da porta estar aberta.

Marcelinho, o dono da barraca onde Juca trabalha no camelódromo do centro, vira-e-mexe chama sua atenção, por ele não fazer a propaganda, gritando, como os outros camelôs fazem. É que Juca é tímido e prefere usar o intervalo entre um cliente e outro pra escrever seus raps. Sabe muito bem que não leva jeito para o ofício das vendas e desde que descobriu seu dom para a arte, vê no rap uma chance de ganhar dinheiro fazendo o que gosta.

Após muitas tentativas frustradas de descobrir o caminho do sucesso, Juca decide que um videoclipe seria um ótimo impulso, afinal, num país televisivo como o Brasil, não precisa ser nenhum estrategista pra perceber isso. Ele tem uma conversa com o Mc Cabrito e toma um tremendo susto, ao saber como o custo é alto. Levaria pelo menos três anos trabalhando no camelódromo para juntar o dinheiro necessário.

Quase todo mundo no rap faz outra coisa pra sobreviver. O Luiz é motoboy, Raimundo corta cabelo, Paçoca trafica, Cezar é ator... O Cezar acha que Juca deveria produzir esse clipe de forma independente. Afinal, não foi sempre assim que o hip hop batalhou, no independente?

Planejou tudo com a Cia de teatro de Cezar, tim-tim por tim-tim. Rabicó pede a câmera de sua escola, Piolho transporta o equipamento, Mariana usa o telefone de seu trabalho: em dois fins de semana, tudo filmado. Juca ficou surpreso ao descobrir que a edição de um vídeo é tão parecida com a de um rap. Valeu a pena passar parte de sua vida em frente a seu computador, editando raps.

Vídeo pronto... Mas o que fazer com ele? O cara da MTV, que havia prometido exibi-lo, não está mais no programa. Todo o dinheiro se foi com transporte e alimentação. Não sobrou nem mesmo pra comprar a fita de finalização. O sonho do protagonismo parecia perdido, mas pra não deixar o vídeo parado, Juca começou a inscrevê-lo em festivais de cinema.

Uns achavam que festivais são para filmes, não para clipes. Outros, que isso é coisa de playboy, que não terá a menor chance. Foi difícil receber um comentário de apoio a suas ideias, mas pra surpresa de todos, até mesmo de Juca, o clipe começou a ser elogiado. Ele conheceu todo o país através dos festivais que participou e o que é melhor, sempre com sua mix-tape debaixo do braço, conseguia vender várias cópias e difundir ainda mais o seu trabalho de rap.

Os colegas do camelódromo gostaram muito de ver o amigo fazendo tanto sucesso. Só quem não gostou nadinha foi o Marcelinho, seu chefe. Se antes Juca perdia clientes escrevendo raps, agora ele quase não atendia mais na barraca. Enquanto os outros camelôs traziam ideias pra Juca fazer um documentário sobre o camelódromo, Marcelinho o ameaçava de demissão, caso as vendas não voltassem ao normal. Juca não pensava em outra coisa a não ser sair do camelódromo e viver só de cinema. Os outros camelôs fizeram uma vaquinha para o tal documentário, mas ainda não era suficiente. Juca convidou a galera da escola e pediu uns dias de folga ao Marcelinho, mas ele disse que Juca precisa decidir: , ou vende ou faz filmes.

O primeiro festival foi decepcionante. Ninguém aplaudiu ou votou em seu documentário. Talvez nem valesse a pena insistir mais. Se não fosse pelos amigos da escola que continuaram a inscrever o filme, Juca nem participaria mais de festivais de cinema. Quando recebeu uma menção honrosa, Juca foi aos céus. Todos os grupos de rap lhe homenagearam e mais uma vez se viu com aquela sensação de missão cumprida. Sua alegria só não se prolongou até o dia seguinte, devido aos comentários da crítica, que não poupou sua obra, mas uma coisa era: os camelôs ficaram emocionados em ver suas caras, belas caras, caras pretas na telona do cinema e perceberem que a partir daquele dia não seriam mais anônimos. Até mesmo Marcelinho parou de chatear Juca, toda vez que um cliente vinha pedir para ele autografar um DVD.

O dia em que Maria veio morar com a gente

Maria tentava se concentrar em sua leitura, mesmo com o balanço do ônibus. Lendo, quase não vê o tempo passar, pois a viagem é longa até o Assentamento Paraíso, onde faz pesquisa sobre os moradores de lá. Ainda bem que tem uma bolsa de estudos. O dinheiro que ganha com as pesquisas mal dá pra pagar o aluguel de seu apartamento na zona rica do Rio. Não sobra nada pra frequentar os mesmos lugares que suas vizinhas ou se vestir igual a elas. Isso causa um pequeno desconforto em Maria, que às vezes se sente melhor no assentamento, onde é paparicada pelas crianças que fazem a maior festa quando ela chega. Também, não é todo dia que eles têm a oportunidade de manipular uma máquina digital. Fingem que são modelos famosas e Maria nem se preocupa se o seu instrumento de trabalho vai estragar ou não, afinal, uma máquina nova daquelas não custa tanto, mas ver as crianças se transformando é danado de bom.

Alexandre, líder do assentamento, pergunta por que ela não sai da zona rica e vem morar aqui, mas Maria morre de medo de não conseguir se formar na faculdade devido à distância, já que foi tão difícil arrumar essa bolsa. Todas as tentativas de mudar para um apartamento mais barato não funcionaram e Maria fica cada dia mais frustrada. Na verdade, ela sabe que parte desse desânimo em continuar na zona rica vem da possibilidade de ter sua própria casa no assentamento e, além do mais, morar aqui ajudaria muito em sua pesquisa.

Maria toma uma decisão. O dinheiro que deixou de pagar o aluguel é suficiente para levantar sua casa. Alexandre comandou o mutirão pra virar a laje e em poucos dias a casa estava pronta pra morar. Maria se identifica muito com a roda de poesias que acontece quase toda semana. Se por um lado conhece tudo sobre a literatura mais formal, por outro se deleita com o que é escrito pelos próprios moradores.

O duro é acordar três horas mais cedo do que estava acostumada.
E a condução? Vixi! Se antes dormia dez, onze da noite, agora uma da manhã é pouco pra chegar em casa. Na última terça chegou preocupada, pois não havia tido tempo de adiantar a janta. Lembrou-se dos vários vizinhos que sempre lhe convidam pra uma boquinha e dessa vez resolveu aceitar. Primeiro foi na casa de dona Gertrudes e depois na laje do Jeremias. A solidão da zona rica era substituída pelo carinho da zona pobre.

A madrugada de hoje parece barulhenta. Tem um movimento estranho na vila ao lado. Os poucos vizinhos que estão acordados correm pra dentro de suas casas e Maria faz o mesmo. Ela não sabe se deve se esconder ou ficar na rua. É difícil ficar em casa ouvindo os gritos quem vêm lá de fora. Podem estar precisando de ajuda. Ela sai e a cena que vê é dura. Metade dos barracos da parte baixa está ardendo em chamas. Os adultos gritam e as crianças choram. Maria corre em direção ao tumulto. Uns dizem que foi a polícia, outros os bandidos, outros ainda, que a polícia é os bandidos. Maria não entende o que está acontecendo, mas oferece abrigo para os que tiveram seus barracos queimados.

Quando acorda no dia seguinte, os vizinhos já estão construindo novos barracos. Muitas famílias vão embora. Talvez realmente não valesse a pena arriscar tanto assim a vida, mas Maria estava completamente levada pela emoção e pedia, quase que implorando, pra que eles não desistissem. Fraca, quem acaba desistindo é ela, que vai morar com uma amiga da faculdade.
Alguns dias depois Maria volta e traz sua amiga Amanda, que está quase se formando em direito. Elas se reúnem com os moradores e os orientam na forma como proceder pra denunciar os policiais criminosos. As queimadas são interrompidas. Muitos acham que foi a série de denúncias, outros, que os policiais desistiram pela resistência do povo. Seja lá o que houve, Maria nunca mais foi a mesma. Uma sensação de satisfação a domina, por ter se transformado numa pessoa viva... Viva como são os personagens que tanto pesquisou.