segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O Cinema é igual o rap

Amanhece mais um dia na periferia. Como toda manhã, Juca caminha sonolento pelas ruas da Baixada Fluminense. A imensa fila do trem quase não o incomoda mais. A rotina de estar um dia após o outro dia ali, transforma esse esperar numa coisa tão mecânica que Juca já nem percebe. Poucos imaginam o porquê de ele sempre pegar o trem no sentido oposto ao do centro. É que prefere acordar mais cedo e voltar duas estações até o ponto final, só para ter o privilégio de viajar sentado. Empurrões, dores nas pernas e sarradas não são problemas pra Juca. Nem mesmo o perigo de cair nos trilhos por conta da porta estar aberta.

Marcelinho, o dono da barraca onde Juca trabalha no camelódromo do centro, vira-e-mexe chama sua atenção, por ele não fazer a propaganda, gritando, como os outros camelôs fazem. É que Juca é tímido e prefere usar o intervalo entre um cliente e outro pra escrever seus raps. Sabe muito bem que não leva jeito para o ofício das vendas e desde que descobriu seu dom para a arte, vê no rap uma chance de ganhar dinheiro fazendo o que gosta.

Após muitas tentativas frustradas de descobrir o caminho do sucesso, Juca decide que um videoclipe seria um ótimo impulso, afinal, num país televisivo como o Brasil, não precisa ser nenhum estrategista pra perceber isso. Ele tem uma conversa com o Mc Cabrito e toma um tremendo susto, ao saber como o custo é alto. Levaria pelo menos três anos trabalhando no camelódromo para juntar o dinheiro necessário.

Quase todo mundo no rap faz outra coisa pra sobreviver. O Luiz é motoboy, Raimundo corta cabelo, Paçoca trafica, Cezar é ator... O Cezar acha que Juca deveria produzir esse clipe de forma independente. Afinal, não foi sempre assim que o hip hop batalhou, no independente?

Planejou tudo com a Cia de teatro de Cezar, tim-tim por tim-tim. Rabicó pede a câmera de sua escola, Piolho transporta o equipamento, Mariana usa o telefone de seu trabalho: em dois fins de semana, tudo filmado. Juca ficou surpreso ao descobrir que a edição de um vídeo é tão parecida com a de um rap. Valeu a pena passar parte de sua vida em frente a seu computador, editando raps.

Vídeo pronto... Mas o que fazer com ele? O cara da MTV, que havia prometido exibi-lo, não está mais no programa. Todo o dinheiro se foi com transporte e alimentação. Não sobrou nem mesmo pra comprar a fita de finalização. O sonho do protagonismo parecia perdido, mas pra não deixar o vídeo parado, Juca começou a inscrevê-lo em festivais de cinema.

Uns achavam que festivais são para filmes, não para clipes. Outros, que isso é coisa de playboy, que não terá a menor chance. Foi difícil receber um comentário de apoio a suas ideias, mas pra surpresa de todos, até mesmo de Juca, o clipe começou a ser elogiado. Ele conheceu todo o país através dos festivais que participou e o que é melhor, sempre com sua mix-tape debaixo do braço, conseguia vender várias cópias e difundir ainda mais o seu trabalho de rap.

Os colegas do camelódromo gostaram muito de ver o amigo fazendo tanto sucesso. Só quem não gostou nadinha foi o Marcelinho, seu chefe. Se antes Juca perdia clientes escrevendo raps, agora ele quase não atendia mais na barraca. Enquanto os outros camelôs traziam ideias pra Juca fazer um documentário sobre o camelódromo, Marcelinho o ameaçava de demissão, caso as vendas não voltassem ao normal. Juca não pensava em outra coisa a não ser sair do camelódromo e viver só de cinema. Os outros camelôs fizeram uma vaquinha para o tal documentário, mas ainda não era suficiente. Juca convidou a galera da escola e pediu uns dias de folga ao Marcelinho, mas ele disse que Juca precisa decidir: , ou vende ou faz filmes.

O primeiro festival foi decepcionante. Ninguém aplaudiu ou votou em seu documentário. Talvez nem valesse a pena insistir mais. Se não fosse pelos amigos da escola que continuaram a inscrever o filme, Juca nem participaria mais de festivais de cinema. Quando recebeu uma menção honrosa, Juca foi aos céus. Todos os grupos de rap lhe homenagearam e mais uma vez se viu com aquela sensação de missão cumprida. Sua alegria só não se prolongou até o dia seguinte, devido aos comentários da crítica, que não poupou sua obra, mas uma coisa era: os camelôs ficaram emocionados em ver suas caras, belas caras, caras pretas na telona do cinema e perceberem que a partir daquele dia não seriam mais anônimos. Até mesmo Marcelinho parou de chatear Juca, toda vez que um cliente vinha pedir para ele autografar um DVD.

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